Relações modernas

Katia Betina
Katia Betina

Toda vez que alguém inicia uma conversa dizendo, “no meu tempo” eu já penso: xiiiii, lá vem nostalgia.

Por isso quando me peguei pensando “na minha época”, procurei uma maneira de dizer a mesma coisa de outra forma e, confesso, não achei.

A reflexão que fazia comigo mesma, era a cerca das mudanças que aconteceram nas relações afetivas com o crescimento das redes sociais.

Sou da geração que o rapaz perguntava se “aceitávamos namorar” com ele. A história seguia um monte de protocolos e quando chegava ao fim, ainda tinha um último ritual a ser cumprido, a derradeira conversa.

Íamos pra frente do espelho ensaiar o que dizer, passávamos o dia inteiro nos preparativos para aquele momento, que normalmente era precedido de um aviso lacónico, “preciso falar com você”. Isso era quase a mesma coisa que dizer “o gato subiu no telhado”.

Hoje não, hoje está tudo mais fácil, desde o início até o fim das relações, basta encontrar casualmente alguém interessante, uma solicitação de amizade enviada e aceita, uma bisbilhotada na vida, umas curtidas de fotos antigas e já temos um bom começo. O fim é mais simplesmente ainda, basta deixar de “seguir” o outro que o negócio tá resolvido.

Esses programas dispõem de “algoritmos”, nome bonito para um cálculo que ē feito a favor da “inteligência artificial”, que identifica com quem nos relacionamos e sai forçando cada vez mais essas interações.

Nos períodos de normalidade, se você for procurar aquele amigo dos contatos cotidianos para mandar uma mensagem, de cara já recebemos o endereço dele. Isso fica engraçado, ou trágico, quando as relações não são de amizades e estão abaladas.

Você doida para esquecer que o outro existe e eis que do nada surge aquela foto instantaneamente na sua cara, síntese da felicidade, mais parece capa de revista. Logo damos resposta, forçamos um quase sorriso em infinitos selfies para escolher apenas um e vamos para a disputa.

Mais inteligentes que nós mesmos, os programas logo, logo entendem quem deve ser levado para o fim da fila, basta um silêncio e essa mágica acontece, as redes sociais são eficientes nisso, como que nos dizendo “a vida segue, segue com a sua”.

Isso vai acontecendo mais rapidamente no celular que no coração, a cada substituição de atenção que vamos adotando, o programa vai refazendo os cálculos e afastando o que seria o indesejado, sugerindo que haja outras interações, um bom conselho a ser reproduzido na vida real.

O fim das relações pode até acontecer com aquela última conversa, mas hoje não necessariamente isso se dá olho no olho, de fato vai escorrendo por entre os dedos no decorrer dos dias, até que finalmente já nem visualizamos mais o antigo dono da saudade, na memória ou no smartphone.

Tem algumas dessas redes sociais que se você cair na besteira de bloquear ou excluir o atual desafeto, na tentativa de apressar a despedida, só retoma a visualizar alguma coisa se pedir para ser reincluído e isso parece ser uma tentativa do além de falar ao seu ouvido, “lembre do amor próprio, ele deve existir antes de tudo”.

Em alguns momentos não deixa de ser engraçado acompanhar as indiretas, as declarações cômicas, as ironias, mesmo que todos saibamos que dá mesma forma que às vezes nos mesmos fingimos uma dor que não sentimos, também podemos fazer o mesmo e inventar uma felicidade qualquer. Indireta em rede social não serve para nada.

O problema ē quando o outro se desmonta e suplica, conta suas fragilidades na esperança de ser ouvido por alguém em especial, mas o programa implacável, mais rápido que o coração, já cuidou de tirá-lo da prioridade das relações afetivas e tudo o que você consegue é se revelar para quem não tem nenhuma possibilidade de estender a mão.

Gosto desse novo modelo de comunicação, no meu tempo não era assim, afinal já não temos mais que usar o espelho para ensaiar o que dizer, ē tudo mais rápido, combina com a falta de tempo atual, mas confesso que ainda não aprendi a lidar completamente com essas relações modernas, de vez em quando me pego ou lamentado a dor do outro compartilhada, ou pior, com um ciúme danado de uma felicidade que nem tenho tanta certeza se é real.

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