O clima é pelo acordo

Quando o Acordo de Paris foi aprovado, no final de 2015, houve muitas críticas. Alguns disseram, e continuam dizendo, que é insuficiente para resolver a crise climática, ou que é fraco, pois não prevê punições para os países que deixarem de cumprir seus compromissos. Mas sua aceitação foi crescendo, culminando com sua ratificação em tempo recorde no final do ano passado. Ela aconteceu em menos de um ano, enquanto a ratificação do Protocolo de Kyoto demorou nada menos que 7 anos.

Agora, parece que um novo patamar foi alcançado. Foi só o Acordo de Paris ser ameaçado que as vozes de seus defensores ficaram mais fortes. Felizmente, por mais importantes que sejam os Estados Unidos, entendo que o Acordo não corre sérios riscos. Dois são os principais motivos: (1) a ideia de que não pode haver retrocesso nas negociações está muito presente entre os governos; e (2) o movimento para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas faz sentido socioeconômico.

A repercussão da nova posição do governo americano foi forte e recebeu imediatas críticas. Houve manifestações de diversos governantes. Dentro do G7 nenhum país apoiou o movimento norte-americano. Na reunião do G20, ainda mais pressão foi colocado em cima do governo dos EUA. Internamente, nos EUA, parece não haver consenso no próprio governo em enfraquecer o Acordo de Paris. Foi noticiado que o secretário de Estado Rex Tillerson, ex-presidente e CEO da Exxon Mobil entre 2006 e 2016, se posicionou contra esse movimento. Nos EUA, onde o federalismo é para valer, pelo menos 10 estados americanos, inclusive dois governados por republicanos, decidiram formar a Aliança do Clima, que ratifica o compromisso com o acordo global independentemente da Casa Branca. Cidades Americanas também estão se posicionando pelo Acordo. Entre elas Pittsburgh, que já foi importante centro da indústria do aço, e Nova York.

A líder alemã Angela Merkel lembrou que o momento é de aceleração do enfrentamento das mudanças climáticas. De fato, os recursos atraídos pela economia de baixo carbono deixam patente essa situação. Segundo dados do Banco Mundial, foram investidos em todo o mundo cerca de US$ 350 bilhões em energia renovável no ano de 2015, mais que o dobro do valor destinado à energia de fontes fósseis. A mesma entidade estima em US$ 23 trilhões as oportunidades de negócios na economia de baixo carbono tão somente nos países em desenvolvimento entre 2016 e 2030. Em igual período, o número de pessoas empregadas pelo setor de energia renovável deverá saltar de 10 milhões para 23 milhões no mundo, de acordo com cálculos da agência internacional de energia renovável, Irena. Por esses dados, parece contraditória a intenção de abandonar o Acordo e “preservar os empregos”.

O argumento de buscar proteger os interesses do setor produtivo americano está longe de ser consenso no meio empresarial do seu país. Não tardaram manifestações de líderes de empresas como Exxon Mobil e Shell, do setor petrolífero (frequentemente associado a emissões de gases de efeito estufa), ou de outras como Apple, DuPont e Dow. Líderes empresariais como Elon Musk, da Tesla, Robert Iger, da Disney, Mark Zuckerberg, do Facebook, e Jeffrey Imelt, da GE, condenaram a decisão, sendo que os dois primeiros anunciaram seu desligamento do conselho de executivos que apoiam a Casa Branca. Vale a pena consultar ainda o manifesto “We Are Still In” (“nós ainda estamos dentro”, em tradução livre), gerado dentro da própria sociedade americana, que já juntou centenas de adesões de cidades, estados, universidades, empresas e Investidores. Segundo seus organizadores, o manifesto já recebeu o apoio de líderes representando um PIB de US$ 6,2 trilhões.

No Brasil, o governo lançou nota dizendo-se decepcionado com o anúncio do governo norte-americano. E aproveitou o último dia 5 de junho, dia mundial do meio ambiente, para publicar decreto-lei promulgando oficialmente a adesão do Brasil ao Acordo de Paris. No meio empresarial, a IEC (Iniciativa Empresarial pelo Clima), coalizão formada pelo CEBDS – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, Pacto Global, Instituto Ethos, GVCes, CDP e Envolverde, lançou manifesto intitulado “Nós Permaneceremos” explicitando o apoio dessas organizações ao Acordo.

A efetiva retirada americana, que só poderá ser formalmente definida em 2020, diz respeito ao mundo inteiro. Os cientistas do IPCC argumentam que uma sociedade “carbono neutra” será necessária ainda neste século para conter as mudanças climática em níveis aceitáveis. Hoje, tudo o que produzimos ou usamos causa emissões de gases de efeito estufa direta ou indiretamente. Como será esse futuro? A nova economia abre oportunidades para aqueles que oferecerem soluções, possibilidade acessível a todos. Inclusive ao Brasil, que já sai com uma vantagem comparativa graças à posição bastante renovável da sua geração de eletricidade (75%) e graças à sua alta produtividade em biomassa (a produtividade energética da cana é mais de 6 vezes superior à do milho, usado nos Estados Unidos, e mais de 2 vezes à da beterraba, dominante na Europa).

Se houver investimento em inovação, esses diferenciais comparativos podem tornar-se vantagens competitivas, permitindo ao Brasil ocupar um lugar de destaque na economia de baixo carbono. Há no mínimo um exemplo concreto: o Brasil já é o maior produtor mundial de biopolímeros, mas seguramente pode avançar ainda mais.

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