Uma história de amor por um cãozinho – Primeira parte

Uma visita inesperada

Katia Betina
Katia Betina

Há um tempo atrás a nova família do pai de meu filho resolveu criar um cão, mas por essas peças que o destino prega, a dona dele veio a falecer e o Bob, esse ē seu nome, ficou meio que sem pertencer a ninguém.

O filho dela foi morar com a vó materna e tem algumas limitações para ficar com o Bob, o pai de Pedro tem uma vida meio sem tempo para esse cuidado cotidiano, a colaboradora da família já tem uma cadelinha e apesar de desejar muito continuar a criá-lo tem alguns impedimentos.

Eis que eu passo a fazer parte dessa história, Pedro olha pra mim e pergunta – Mãe podemos ficar com o Bobinho? Na hora, num momento de lucidez, eu respondi prontamente que não, – Nem Bobinho, nem Bobão.

Acontece que meu filho resiste em aceitar não como resposta e claro continuou insistido.

Eu gosto de animais e os cães (ou cachorros se assim fica mais fácil de entender mais adiante), são os meus preferidos, aliás chego a achar que podia gostar menos. Foi aí que me dei conta que já estava eu, como ē comum, começando a fazer uma certa confusão nos meus pensamentos…

Voltando ao Bob, ele passou a fazer parte dos assuntos domésticos. “Roda, vira e mexe” e essa conversa vem à tona, talvez por isso eu não tenha tomado um susto quando recebi uma foto do Pedro, sentado no sofá da nossa casa com os dois cães na perna, a cadela da secretaria da família e o Bob, ele mesmo, ao vivo.

Portanto sabia que seria recepcionada com novidades quando chegasse em casa e não deu outra, abri a porta e ele avançou pra mim latindo, sem nenhuma noção que aqui nesse território, quem manda sou eu, aquela visita inesperada nem imaginava o tanto de sentimentos que faria surgir.

E iniciamos nossas tentativas de interação. Por algum motivo, ou pela perda da “mãe”, ou por ter acompanhando uma doente crônica, ou por ter sido eventualmente repreendido de forma incorreta, ou simplesmente porque ē de sua índole, ele é um cão estressado e arisco.

Nas minhas tentativas de agradá-lo tive as reações das mais diversas, desde aceitar com relativa felicidade, até se mostrando bravo e tentado morder, mas nunca uma relação tranquila.

Ele podia acreditar em mim sem medo, não seria eu a oferecer nenhum risco, não o faria mal, bateria ou gritaria, não ē da minha índole. Bob podia confiar em mim cegamente, mas a história dele já não permitia que assim ele o fizesse.

Até aí nada demais, eu até compreendo que as nossas histórias de vida determinam o que somos e ele com três anos de idade já tem passado somado. O problema ē que para que isso possa ser resolvido ou minimizado precisamos de tempo e sobre tempo eu não tenho governabilidade alguma.

Bob fez surgir na minha frente um acumulado de exemplos dos quais eu preferiria não lembrar, as vezes que fui “mordida” desmerecidamente quando não era eu a responsável pelos medos que motivavam essa reação, afetos que agiram iguaizinhos a ele .

Por várias vezes Bob chegou perto de mim com o rabo balançando (ele já ē da geração politicamente correta e não tem rabo cortado) e bastou que houvesse um movimento meu, ainda que suave, para acariciá-lo e ele fugia assustado.

Minhas intenções eram pacíficas, amorosas, fraternas… sempre são. Me apresentei pra ele em cada uma dessas agressões com as mãos espalmadas abaixo do pescoço dele e sem gritar, ele se acalmava um pouco mas nunca a ponto de se entregar.

Ao final do dia estávamos ele e eu com a sensação que essa história não teria vida longa, nossos passados colocados à nossa frente como se fossem futuro, acabaram por criar obstáculos ao que poderia ter sido um prazer cotidiano.

Ele incapaz de confiar, eu incapaz de amar sem cobranças, ele desconfiado, eu triste por não ter tido a minha oferta de afeto aceita, ele com os fantasmas dele e eu com os meus.

Bob voltou para o lar que ele melhor reconhece, não é maltratado, mas não é tranquilo, não deve acreditar que paz existe. Continuaremos nossos caminhos, ambos ávidos por afetos, ambos sem saber como fazer, nesse ponto somos bem parecidos.

Setembro 2016

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