A vida feito um palavrão

-P u t a q u e p a r i u… Assim mesmo, bem pausado. Passei com o carro num buraco novo, que eu não conhecia ainda o endereço, afinal aqui os buracos demoram tanto tempo sem reparo que dá bem para guardar a localização e fazer festa de aniversário.

Eu ando sempre pela Avenida Amélia Rosa, rua cheia de restaurantes, lojas e um monte de variados estabelecimentos comerciais. Pela quantidade de serviços que já foram feitos por lá, era para ser um tapete, mas não, mais parece um tobogã, é um desafio carregar um bolo no carro.

Outro dia estava indo apresentar a cidade para a namorada de um sobrinho meu e eis que o carro cai num buraco novo. Eu até tentei ficar com a cara de paisagem, mas não consegui, pelo menos um sonoro palavrão era preciso ser dito para diminuir a raiva.

Eu não sou uma das pessoas mais pornofônicas que existe, eu consigo dizer uma sentença inteira sem nenhum palavrão, apenas não sou daquelas contidas, que nada incomoda o suficiente para sair da “linha”.

Dei-me conta que talvez ande exagerando quando me surpreendi com a quantidade de vezes que não me ocorre outra coisa pra dizer que não seja um impropério, a exemplo da vontade de fazer um xingamento completo diante da pauta sobre o aumento do gás de cozinha feita pelo Jornal Nacional.

Juntar num mesmo “balaio” o preço do gás e as delícias da cozinha rústica feita com lenha é de uma perversidade que não tem limites, na gozação eu diria que é “chamar de careca e dá um pente”, mas não há nada engraçado nisso.

Cozinhar com lenha é uma maravilha para quem tem fogão e espaço apropriados, na realidade de quem não consegue pagar o gás, isso se dá entre dois tijolos, com a fumaça tomando conta do único cômodo, adoecendo, principalmente crianças e idosos.

Para quem tem cooktop elétrica e cozinha gourmet, falar de lenha é falar de madeira “sustentável” e é pura sofisticação, mas quando falta dinheiro, a madeira às vezes sai de área de preservação, como as de mangue, com risco de prisão sem direito a liberdade nem com pagamento de fiança, inclusive porque se houvesse possibilidade de pagar, não havia necessidade de cometer crime.

A TV Globo tem uma imensa dificuldade de entender de “pobre”, quando retrata essa parcela da população o faz de forma romanceada, com casas arrumadinhas, com jarrinho de flores. Na realidade a pobreza tem bem mais necessidades e nenhuma poesia, muita dor e pouco quem se importe.

Mas daí a sugerir algum benefício em usar lenha para quem usa fogo todo dia para cozinhar feijão duro, das piores safras, ou um resto de osso para completar a refeição, só cabe definir com um belo palavrão, ou pior, mais de um.

Descobri que minha vontade de chamar aquele sonoro “puta que pariu”, tem um mínimo múltiplo comum, tá sempre relacionado às mazelas da atuação equivocada dos nossos políticos, seja na qualidade do asfalto, na política de preços de interesse social ou nas associações com empresas sem nenhum compromisso com o Brasil.

A mim resta ou a conformação em decorar a localização dos buracos como forma de manter a memória ativa para evitar Alzheimer, ou torcer para que ele seja fundo o suficiente que me leve direto para o Japão, lá os políticos se suicidam quando denunciados, vai ver que é por isso que os japoneses tem um vocabulário tão contido.

A vida feito um palavrão parece ser a única alternativa para quem tem coração em conseguir viver no atual mundo, afinal, não está sendo fácil encarrar à realidade como se nada demais estivesse acontecendo, assim, contida e com cara de paisagem.

Dezembro 2017

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