A arte de caminhar juntos

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Quem frequenta academia de ginástica sabe que pela repetição dos dias e do horário, acabamos conhecendo um pouco das pessoas do nosso turno, nada realmente significativo, acenos e olhares de curiosidade, de verdade sabemos apenas que têm algo em comum conosco, somos colegas de atividade física.

Sendo assim superficial, tudo o que conhecemos é aquilo possível de ser compreendido com o olhar e nessas observações consegui identificar que existem alguns casais no meu horário, de todas as idades, que mesmo com comportamentos bastante diferentes entre cada um deles é possível saber que formam pares.

De longe é fácil supor que alguns estão juntos há mais tempo, esses costumam ser econômicos no contato mútuo, chegam e saem sem se tocar, pouco se falam, não vejo “cara feia”, apenas acho que estão sempre mais atentos a própria atividade que ao outro.

Acontece que um casal em particular me chama atenção, não porque sejam jovens e bonitos, com corpos trabalhados, cabelos brilhantes ou roupas de moda, mas porque se comportam diferente dos demais. Eles têm um série longa de exercícios, mas quando se cruzam no salão, o  olhar é carinhoso e tem uma alegria revelada pelo canto da boca num sorriso disfarçado.

Se falam baixinho e se ajudam em alguma atividade que necessita de par, transpiram carinho. Nada sei deles, se casados, namorados, se juntos há muito tempo, mas sei que sabem andar de mãos dadas, caminham num ritmo muito parecido, saem pela rua afora segurando um no outro, orgulhosos de se apresentarem juntos, permitindo que haja entre eles apenas o espaço necessário para que o ar troque o cheiro de cada um.

Andar de mãos dadas parece mas não é uma coisa fácil, carece vontade. Acaba sendo uma daquelas práticas que o passar do tempo atrapalha, assim como dormir bem, com a idade desaprendemos o que ē uma grande ironia, devia ser exatamente o contrário.

Eu fui ao cinema, cheguei antes da hora e pude ficar observando quem entrava. Até sentar na cadeira escolhida tem uma escada tão longa que podia ser usada para pagamento de promessa e como as pessoas demoram para conseguir subir, tive oportunidade de assistir a entrada de vários casais à sessão, andando escadaria acima.

Nenhum chegou de mãos dadas, alguns porque estavam ocupadas com pipocas, mas a maioria apenas por falta de jeito, só dava para saber que formavam um casal com muita observação. Os tempos de caminhada eram diferente um do outro, um bem à frente, o outro se arrastando, nenhuma cumplicidade, nenhuma parceria, um abismo de distância.

Acho esse mágica de relações longevas uma coisa maravilhosa, mas me pergunto o que acontece com o passar do tempo que atrapalha a capacidade de andar de mãos dadas? Devia ser diferente, tudo o que é repetido várias vezes fica mais fácil.

Eu não duvido do afeto dos casais que mantém interesses em comum, cinema ē um deles, mesmo que já não saibam caminhar coladinhos. Minha dúvida ē porque não podem seguir, além de juntos para sempre, afetuosos para sempre?

Eu sei que andar de mãos dadas tem um simbolismo grande, que acaba não sendo fácil exercitar numa rotina de vida comum, mas é justamente esse aprumar o passo ao ritmo do par que nos completa, que ajudará na manutenção do olhar apaixonado que um dia encontrou um no outro o complemento, mesmo que seja no salão da academia.

Os objetivos em comum que me ligam aos colegas de turno na ginástica nem de longe são tão consistentes quanto os que unem aqueles casais que enxergo e lamento que não consigam ser o tempo todo tão perseverantes no afeto quanto o são para permanecerem juntos, afinal se há capacidade para se trancarem numa sala para arrastar pesos, certamente há também em se permitir afeto ao par escolhido para a vida.

Olhar aquele casal que caminha de mãos dadas ē uma verdadeira poesia, eles parecem flutuar enquanto alternam o olhar para frente e para o outro, tomara que pelo menos esse não desaprenda a arte de caminhar juntos, afinal, acreditar que afetos são possíveis precisamos todos.

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