Os pegadores de roupa da minha despensa

Fui fazer um pão caseiro e na hora de guardar o resto da farinha peguei o prendedor de embalagens, um desses apropriados e tentei uma, duas, três vezes sem sucesso. Ele fechava num canto e abria no outro, até que desisti e peguei um de roupas, daqueles comuns que usamos no varal.

Parecia que o problema estava solucionado, não fosse eu uma eterna questionadora, que tudo olha com olhos de argumentação, sendo franca, uma chata elevada ao quadrado.

Fiquei me perguntado quando que troquei os pregadores para ter uma despensa mais bonita e organizada ou quantas coisas eu fazia de maneira mais simples e que substitui por alguma outra “mais adequada”?

Tive uma infância sem excessos, passei muito tempo usando poucas roupas, poucos sapatos, com uma única bolsa e sem relógio. Lembro perfeitamente que a casa que cresci tinha muito menos eletrodomésticos que tenho hoje, que era permitido deitar no sofá da sala, inclusive pra comer e dormia sem pensar em nada disso.

Quando amanhecia o café era o que estava na mesa e eu não tinha direito de levantar sem ter comido alguma coisa, o máximo do luxo era respeitar o horário de cada um, quem não tinha compromisso cedo, podia ficar até mais tarde na cama.

Andava de ônibus, a escola exigia uniforme e salvo por uma amiga que usava uns laços bem bonitos, não tenho muitas lembranças de alguém possuir algo extraordinário. Éramos todos parecidos, ainda que houvesse diferenças no patrimônio familiar.

Um futebol na praia, vôlei no clube do bairro, queimado na escola, banho de mar, cinema no domingo (se a censura fosse compatível com a idade), até umas poucas idas ao Trapichão à noite, bem agasalhada para não sentir frio com um casaco que serviu a mais de um. Tive o necessário.

Uma vida simples, sem internet, celular, carro, mas cheia de amigos, os da escola, do esporte ou da rua. Amigos solidários, capazes de ajudar com um álibi, de “comprar” sua briga, de dividir o lanche, já que dinheiro na mão ninguém tinha. Faltava o conforto da tecnologia e sobrava felicidade e esperança.

Minha mãe era “mãe” e não coleguinha, dava ordens, colocava de castigo e eu obedecia, mesmo que não concordasse (eu não apanhei). Minhas tristezas eram resolvidas conversando com a melhor amiga ou com uma noite de sono.

Longe de mim dizer que o mundo era melhor. Punia muito duramente os diferentes, havia uns exageros na educação, tudo exigia mais trabalho, desde cozinhar a limpar a casa, de se transportar a falar com alguém distante, até estudar era mais difícil.

Daí meu espanto com a seguinte constatação: se as coisas mudaram pra melhor por que viver ficou mais difícil? Foi ai que o pregador me deu uma pista. Criamos solução para um monte de coisas, mas às vezes essas soluções não funcionam como planejadas.

A geladeira não precisa descongelar como as de antes, mas as antigas não quebravam. Sem smart fone só restava a conversa, a visita, a carta e isso quase nunca falha, até o correio era bom, tinha mais trabalho e menos estresse.

Nesse mundo tão cheio de ofertas temos uma multidão de pessoas com depressão, insônia ou pânico. Parece que as soluções que inventamos para resolver as dificuldades são parecidas com o meu pregador de embalagens, nem sempre funcionam.

Envelheci… agora me resta escolher entre os simples e infalíveis pregadores de roupa ou os modernos e apropriados para embalagens.

Não fosse a farinha de trigo eu não teria parado para pensar que ē chegada a hora de fazer o caminho contrário, voltar em busca da felicidade por nada, ter menos bolsas, esquecer o relógio e deitar no sofá para comer um sanduíche de pão com carne moída, com aquela receita da minha infância e esperar com calma, que cada dia chegue “com a dor e a delicia de ser como é”. julho de 2018

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