Idosos ampliam espaço no mercado de trabalho, mas só 1/4 tem carteira assinada

Monika, de 70 anos, é treinada por funcionária mais jovem após ser contratada como atendente do Reclame Aqui. — Foto: Reclame Aqui/Divulgação

O interesse das empresas por trabalhadores da terceira idade nunca foi notável, mas já se percebe um olhar um pouco mais amigável para a diversidade etária e a convivência entre gerações dentro do ambiente corporativo. Esse movimento atende a uma crescente demanda de pessoas mais velhas que buscam um emprego.

Ainda que o percentual de pessoas acima de 60 anos no mercado de trabalho venha crescendo – bateu o recorde de 7,9% no segundo trimestre, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – apenas 26% têm carteira assinada. A maior parte ainda está na informalidade ou em ocupações por conta própria.

A faixa etária mais excluída do mercado formal é também a que mais tem sofrido com o fechamento de vagas com carteira assinada, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Em agosto, enquanto a faixa etária até 39 anos criou mais de 140 mil vagas, 37 mil postos foram fechados para pessoas acima de 50 anos.

Contudo, algumas empresas passaram a lançar programas com vagas abertas apenas para pessoas de idade mais avançada, como parte de um esforço de diversidade que já era observado em relação a gênero e raça.

‘Eu sou a avó que vocês procuram’

Após sair do emprego de secretária bilíngue no ramo de autopeças, Monika Feldenheimer da Silva pensava que não teria mais chances no mercado de trabalho.

Ao saber, por sua filha, que o site Reclame Aqui divulgou um anúncio de vaga com os dizeres “Contratamos a sua avó”, ela enviou um email para a empresa: “Eu sou a avó que vocês procuram”.

Formada em ciências sociais e com 20 anos de experiência, Monika recebeu um Uber na porta de sua casa para levá-la à entrevista de emprego, que tinha cinco candidatos. O emprego de atendente era dela.

No começo, a nova atendente de 70 anos teve receio de sofrer preconceito dos mais jovens, mas logo percebeu que o ambiente era receptivo. Ela foi treinada por uma das funcionárias mais jovens da empresa, como parte da cultura de mesclar gerações.

“Não consigo me imaginar não trabalhando, senão me sinto meio inútil. Quando parei, disse para meu filho que foi dificil ficar sem trabalhar”, conta Monika.

Além do senso de utilidade, Monika destina parte de seu salário para ajudar um dos netos, que não tem renda suficiente para se manter.

Em busca de recolocação

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado no primeiro semestre apontou que a proporção de idosos que pararam de trabalhar após perder o emprego caiu de 20%, em 2012, para 16% em 2018. Mas também caiu o percentual dos que conseguiram uma colocação ao passar dos 60 anos. Em seis anos, essa taxa passou de 28% para 23%.

Para o fundador da plataforma de trabalho para a terceira idade MaturiJobs, Mórris Litvak, uma das principais razões para estas pessoas continuarem em busca de trabalho é a necessidade de renda e o fato de a aposentadoria não ser suficiente para cobrir os gastos.

“Existe também uma vontade de se sentir útil e ter algo para fazer que leva muita gente a continuar trabalhando, mesmo sem precisar”, explica. Há ainda aqueles que após os 60 anos ainda não atingiram o tempo de contribuição ou a idade mínima para obter a aposentadoria e são obrigados a continuar trabalhando.

Necessidade financeira

Boa parte dos idosos que trabalham não teria necessidade própria, mas destina o que ganha para sustentar a família. Cerca de 10 milhões de pessoas dependem da renda dos aposentados para viver, segundo uma pesquisa da LCA Consultores. Em 2017, o percentual de lares em que 75% da renda ou mais vem de indivíduos com mais de 60 anos cresceu 12%, somando 5,7 milhões.

“É uma situação muito comum, de continuar trabalhando para ajudar os filhos e netos que não têm renda suficiente, principalmente depois da crise, em que muita gente perdeu o emprego e passou a depender desses ganhos”, aponta Latvik, da Maturi Jobs.

‘Não quero ficar em casa’

Dilma Stanisci, de 81 anos, trabalha como caixa na farmácia de manipulação Buenos Aires, em São Paulo, há 17 anos. Mas ela, que começou a trabalhar com 13 anos em uma fábrica de calçados, é aposentada há 38 anos. Ela prefere abdicar do dinheiro do benefício do INSS, que seria maior que seu salário, por querer trabalhar e se sentir útil.

Ela sempre gostou de trabalhar. Quando começou, o pai não queria deixá-la por ser muito nova. “Mas eu bati o pé e o juiz deu autorização”, lembra.

Depois de 12 anos costurando calçados, a idosa foi trabalhar em uma imobiliária, onde ficou por 30 anos e passou pelos setores administrativo, telefonia e caixa. Em 1980, ela se aposentou, mas quis continuar trabalhando. Conseguiu emprego em uma agência de turismo, onde ficou por sete anos. Como não tinha carteira assinada, acumulava o dinheiro da aposentadoria e do salário.

“Fiquei um ano desempregada e deprimi, foi então que um amigo me falou da farmácia que contratava quem tinha mais de 60 anos, aí fui chamada e já entrei como caixa fixa”, conta Dilma.

O plano de Dilma era ficar um ano na farmácia, mas já se passaram 17, e ela não pensa em parar. “Gosto de trabalhar, me adapto a qualquer situação, converso com as pessoas”, diz.

Ela, que tem até o 4º ano do ensino fundamental, diz que a única dificuldade é se adaptar à mudança de tecnologia. “Mas se me explica o serviço eu pego logo”. Ela anota tudo o que é ensinado e segue o que está no papel.

“A memória é boa, tenho facilidade com números, faço conta de cabeça, sempre confiro todos os valores, e se vejo algum problema eu aponto para as atendentes”, conta.

Fonte: G1

Veja Mais

Deixe um comentário

Vídeos