Mulher que escolheu ficar cega para manter gravidez ganha foto em 3D para sentir imagem da filha

Carla segurando a imagem no momento da entrega do presente em Piracicaba — Foto: Mateus de Souza Rocha/Arquivo pessoal

Na vida de Carla Andressa Framthi Neves, o ditado “o que os olhos não veem, o coração não sente” não faz jus à realidade. Ao ficar grávida durante o tratamento de diabetes, ela teve que escolher entre ter a filha e ficar cega, ou interromper a gravidez para continuar enxergando. Cinco anos depois, uma ONG de Piracicaba (SP) resolveu imprimir uma fotografia em 3D para que ela sentisse a imagem nas mãos e pudesse ter de presente do Dia das Mães uma foto com a filha que nunca viu.

O vídeo mostra Carla recebendo a fotografia na sede da ONG. Ela havia acabado de chegar para ter um dia comum de aula e não tinha ideia do que aconteceria. Ao receber o presente, ela sente o relevo da fotografia e, neste momento, a professora explica que eles escolheram uma foto do Facebook de Carla e que era ela com a filha, Vitória.

Ao reconhecer os traços que sentia nos dedos, Carla não aguenta e começa a chorar.

“Quando eu passei a mão pra ‘ver’ a foto e eu senti o rostinho dela, eu me emocionei muito. Foi a primeira vez que eu passei a mão nela e também em mim, então eu fiquei muito emocionada”, conta.

Ela lembra que chegou para a aula de braile nesta quarta-feira (8) e foi comunicada que um casal queria falar com ela. Eles explicaram que trabalhavam com imagens em alto relevo e que tinham trazido um presente pra ela. Ao explicarem que era a fotografia, ela pôde imaginar cada detalhe com se tivesse “vendo” uma imagem que somente foi registrada pela memória das emoções.

“Foi muito bom”, conta. A filha única dela completa 5 anos no dia 23 de maio. Carla conta que, sem entender o choro da mãe, ela perguntou o que estava acontecendo.

“Eu falei: eu estou vendo você na foto. E ela falou: nossa mãe, que bonito né, que diferente, eu e você [risos]. Ela disse: nossa mãe, você está com a bengala na mão, olha que legal [risos]”, lembra Carla.

“Que presente do Dia das Mães! Foi muito bom pra mim, porque eu sou a única da ONG que perdeu a visão e não viu o filho”, explica.

A escolha mais importante

Carla ao lado da filha, Vitória, na foto usada como modelo em 3D, Piracicaba — Foto: Carla Neves/Arquivo pessoal

Atualmente com 30 anos, Carla ficou grávida aos 25 em meio a um tratamento de diabetes. Ela já dividia com o marido o sonho de serem pais, mas o médico tinha informado que ela não poderia engravidar naquele momento.

Carla conta que tem a doença desde os 6 anos de idade, mas nunca foi muito rigorosa no tratamento necessário para evitar problemas mais graves no futuro. “Só acontecendo é que a gente cai na real né”, comenta ao pensar das consequências que acabou tendo que enfrentar.

A gravidez aconteceu no meio de um tratamento para tentar impedir a cegueira que já começava a tomar os olhos dela. Foi assim que Carla ouviu do médico: “Você tem uma escolha a fazer: ou a gravidez ou a sua visão”. O tratamento a laser afetaria o feto e não poderia ser continuado.

“Pra mim foi muito difícil, a escolha que eu tive que fazer. Ia mudar tudo, a rotina… o recomeço é difícil – é começar tudo de novo, só que de outra forma. É tentar esquecer aquela Carla que enxergava e viver a Carla que não enxerga hoje”, conta.

Na época, ela trabalhava como técnica de enfermagem na Santa Casa da cidade. Do quinto para o sexto mês de gravidez, os olhos de Carla foram deixando rapidamente de ver o mundo e a vida mudou completamente.

Ao ter Vitória, ela chegou a fazer uma cirurgia nos olhos para corrigir o descolamento da retina na tentativa de impedir a perda permanente da visão. Ela teria dois anos para ver como seria a reação após o procedimento, mas não teve jeito e Carla não voltou a enxergar.

“Se você me perguntar, a cirurgia foi um sucesso, pelo pouco que eu enxergo [risos]”, conta Carla com bom humor ao explicar que hoje tem 5% de visão no olho direito, o que permite que, ao menos, ela veja “só luz” em um dos lados.

Mas após fazer esta escolha, ao sentir a filha nos braços e ouvi-la, Carla não tem nem palavras para explicar a sensação do que fez.

“Só eu mesma [pra saber]. É o toque né… eu acho que só o amor que eu dou pra ela vale mais do que ver.”

“Tem muita gente que fala que no meu lugar não teria coragem… Mas é por outra vida né, e uma que eu gerei. É um ato de amor.”

A nova etapa

Fotografia em 3D foi entregue de presente do Dia das Mães para Carla, que nunca enxergou a filha — Foto: Mateus de Souza Rocha/Arquivo pessoal

Ela conta que só conseguiu aceitar a nova condição e procurar a ONG Avistar, em Piracicaba, três anos após perder a visão. Mariana Turrioni, que teve a ideia de dar a foto de presente, é professora de braile de Carla.

“A Carla sempre perguntou como a filha era, os olhos, se era puxado, tamanho do olho, o cabelo, o perfil da menina. Aí quando a empresa falou da impressora, na hora surgiu essa ideia, pra trabalhar essa noção de espaço, detalhes do rosto, até coordenação motora para identificação e reconhecimento da foto. Aí como ia ser o Dia das Mães, a gente pensou de fazer a surpresa”, conta.

Mariana então pediu autorização para a coordenadora da ONG e combinou com o Mateus de Souza Rocha, dono da empresa, de fazer o modelo. O contato vinha de ante, já que ele fazia doações para a ONG de material em 3D para alfabetização em braile.

“A Mariana me enviou uma foto que pegou no Facebook da Carla e, a partir da fotografia dela com a filha, fizemos a conversão para 3D e imprimimos o modelo. Foi o primeiro que fizemos para essa finalidade, por isso, não sabíamos se funcionaria”, conta Mateus.

Ele conta que o maior receio era de que ela não conseguisse identificar os traços da filha na foto, o que logo passou quando viram Carla tocando o rostinho da Vitória na imagem e começando a chorar de emoção.

“Foi muito gratificante perceber que, com tão pouco da nossa parte, podemos criar momentos mágicos. Levamos a nossa filha Lara para participar da entrega e ela ficou muito emocionada também.”

Ele e a mulher, Daiana Ladislau Coutinho, são parceiros na empresa e fizeram a entrega juntos da fotografia.

“Eu nunca tinha vivido um momento assim tão legal”, conta a professora Mariana. “De reconhecer e ver [ela vendo] a filha dessa forma.”

Fonte: G1

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