Um intestino colaborativo

Eu ando numa fase extraordinária, justo eu, que sempre fui mediana em tudo, comum; tão comum que posso passar pelos locais sem ser notada, tão comum que faço parte da estatística e me junto a maioria das mulheres ocidentais que só vão ao banheiro para o número dois, em média, três vezes na semana, melhor que dia sim, dia não.

Sou pura gratidão a realidade atual, nunca imaginei que tenho uma prática intestinal que pode me colocar na mídia internacional, junto com a Greta Thumberg, a adolescente Sueca que se tornou o maior sucesso ao protestar contra o aquecimento global.

Isso tudo me acontece exatamente quando já havia me conformado com a minha insignificância e eis que me descubro ativista, tudo isso graças a minha constipação intestinal, viva a minha ”prisão de ventre”…

Sem saber que bastava seguir não indo ao banheiro todo dia, passei a vida numa tentativa idiota de ajudar o planeta separando lixo, economizando energia e poupando água, e mais, cometia o erro de subtrair o impacto da minha potencialidade de colaboração, com uma prática de me cobrar comer grãos integrais, frutas, legumes, fibras, esse monte de alimentos sem graça, que produzem, me desculpem a má palavra, merda…

Digo muito que no dia que eu morrer, quando estiver sentada num banco nas nuvens, olhando o movimento aqui na terra plana, se descobrir que minhas opções de evitar excessos ou respeitar a natureza, em nada mudou a minha sina, que eu voltaria para puxar o pé dos cientistas, aquelas almas sebosas que me fazem sentir remorso e me impedem de viver sem censura.

Respiro aliviada em poder me livrar da inveja que tive de todas as personalidades que admirei em vão, afinal, descobri que não preciso me empenhar para organizar minhas falas é uma verdadeira libertação.

A possibilidade de ter como orador da turma o amigo mediano, o colega que jamais disse nada significativo, me devolve o sonho de acreditar que posso, eu mesma, ser a escolhida, sem ter que sofrer para parir um discurso lógico, basta fazer um gestinho, mostrar os dentes num riso sem graça ou disparar uma gíria e já mereço muitos likes.

Os oradores da escola e da vida pública, aqueles cuja mensagem passeava pela filosofia ou pela arte, de forma leve, me levando a refletir onde poderia melhorar e os percebendo mais preparados que eu, é passado, a vez agora é da massa…

Acabou essa obrigação de perseguir o inatingível desejo de me igualar a eles, me vejo representada pela elite do momento, posso falar qualquer coisa que me passa pela cabeça, sem compromisso com nada. Eu posso…

Meu intestino colaborativo me faz acreditar que sou “up to date”, (só para mostrar que também sei meia pataca de inglês).

A atual eficiência na identificação de soluções para problemas que acreditava serem grandes, me permite relaxar diante dos obstáculos e pensar, “nada nunca foi tão grave quanto uma caganeira”.

Agosto de 2019

Katia Betina

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