Pesquisa da Ufal analisa relações de poder nos corredores do HGE

Durante sete meses a cientista social e mestranda em Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas, Alessandra Conceição da Silva, tentou caminhar "invisível" pelos corredores do Hospital Geral do Estado. A proposta dela foi fazer uma pesquisa etnográfica no HGE para entender a dinâmica de trabalho e as relações entre os vários profissionais que atuam na unidade.

O primeiro passo para Alessandra, e talvez o mais difícil, foi se adaptar ao ambiente. "O barulho das sirenes, alarmes, a impressão de uma higienização falha – manifesta nos maus-cheiros, além da sensação inusitada de que a todo momento sabia que naquele espaço social ora pessoas estavam voltando a viver, ora estavam perdendo suas vidas, me deixava um tanto ansiosa nos primeiros momentos. Com o passar do tempo, percebi que ter os sentidos aguçados me propiciava um olhar mais atencioso para aquele espaço", relatou a pesquisadora em sua dissertação de mestrado.

Além de se acostumar com o ambiente "tumultuado", Alessandra também precisou lidar com certas desconfianças, compreensíveis num hospital que é porta de entrada para todo tipo de trauma, desde acidentes a vítimas de violência, e que é alvo de constantes denúncias na imprensa por conta da superlotação e condições insuficientes para atender a tantos pacientes. "Minha presença, de uma maneira ou de outra, gerava dúvidas. No geral, fui compreendida como uma jornalista que estava à procura de uma ‘manchete’ e, outras vezes, como uma pessoa amiga que estava ali naquele ambiente disposta a escutar as lamentações, dúvidas, fuxicos e frustrações profissionais", contou Alessandra.

A dissertação de mestrado de Alessandra Conceição da Silva foi aprovada no final de janeiro deste ano, pela banca examinadora. A pesquisa traz os resultados das observações e entrevistas com profissionais no corredor do hospital da área de alta complexidade, sob a perspectiva da Sociologia da Saúde e Antropologia da Saúde. "O objetivo geral da investigação foi compreender, por meio dos discursos das enfermeiras e auxiliares de enfermagem, as percepções acerca das práticas profissionais e das relações de hierarquia que se travavam cotidianamente no ambiente de trabalho. Os sujeitos da pesquisa foram mulheres que trabalham em um corredor de internação localizado no primeiro andar do hospital, denominado área verde", explicou a pesquisadora na introdução do texto.

Relação de poder
Um dos aspectos mais observados pela pesquisadora foram as relações de poder e hierarquia dentro do hospital, manifestos nas formas de interação entre médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem. "A pesquisa aponta para a manutenção de um padrão de relação hierárquica tradicional na saúde, no qual o papel do médico ainda é central, frente ao crescimento de novas categorias na área, como é o caso da equipe de enfermagem. Os discursos das auxiliares de enfermagem apontaram para uma reivindicação de reconhecimento profissional frente à persistência das desigualdades de gênero com relação à ocupação dos postos de trabalho na saúde, manifesto nas diferenças salariais de homens e mulheres", destacou a pesquisadora.
Outra questão avaliada pela pesquisadora foi a necessidade de complementar renda entre os profissionais de saúde, levando-os muitas vezes a jornadas de trabalho excessivamente exaustivas.

"As dobras de horários de plantões, mesmo já tendo cumprido a carga horária de trabalho, revelou que as auxiliares de enfermagem necessitavam de mais rendimentos financeiros do que os que recebiam ao final do mês", citou Alessandra, indicando que o IBGE revela, em dados do Censo de 2010, a crescente participação da mulher como provedora do lar e principais responsáveis pelo sustento dos filhos.

O jaleco
Durante o dia em que frequentou o corredor da Ala Verde, no primeiro andar do HGE, Alessandra teve que lidar com seus próprios sobressaltos para se concentrar na pesquisa. Mas ela teve a oportunidade de acompanhar a rotina de profissionais que estão a todo momento atuando no limite. Foi difícil para ela realizar as entrevistas, em parte pela falta de tempo dos profissionais muito atarefados e, por outro, pela resistência de alguns em detalhar os aspectos mais tensos da relação profissional.

Ainda assim, como boa observadora, Alessandra registrou vários detalhes da convivência em um ambiente hospitalar. Um desses aspectos é o uso do jaleco como representação de status. Segundo ela, isso explica porque um equipamento de proteção individual torna-se objeto de tanto apego que os profissionais de saúde e estudantes chegam a "esquecer" a recomendação de tirá-lo ao sair do local de trabalho. Eles acabam usando o traje até mesmo nas lanchonetes e outros ambientes públicos próximos ao hospital.

"Pensar os significados do jaleco em um ambiente propício a sua vestimenta era necessário articular as esferas que iriam além do formalismo profissional e a busca pelo reconhecimento profissional, prestígio social, identidade social, dentre outros aspectos", relatou Alessandra.

Os pacientes e acompanhantes que estão no hospital reforçam esse simbolismo do jaleco, uma vez que, para a maioria, todos os que estão usando a vestimenta são ‘doutores’. "A representatividade que o jaleco possuía naquele ambiente hospitalar poderia ser percebida quando um profissional de saúde passava pelo corredor. É comum ter outras pessoas que não estivessem trajadas de jaleco com olhares atentos, como é o caso dos acompanhantes e pacientes que, às vezes, pediam alguma informação e, outras vezes, favores aos profissionais trajados de jaleco", contou a pesquisadora.

A dissertação de Alessandra Conceição da Silva, com o título "Gênero e Práticas Profissionais em um Corredor Hospitalar de Alta Complexidade em Maceió/AL" está dividida em três capítulos, onde ela apresenta o campo de pesquisa, as reflexões sobre "Gênero e Trabalho na Saúde" e uma exposição das percepções que ela captou nas observações e entrevistas que fez durante a pesquisa, com várias narrativas de profissionais de saúde sobre a rotina de trabalho, vida pessoal, conflitos de relacionamento com colegas e com a hierarquia, sobrecarga de trabalho, reclamação com os baixos salários, e muitos outros aspectos que levam o leitor a "caminhar" com a pesquisadora pelos corredores tumultuados do HGE, além de compreender um pouco das dificuldades e das superações diárias de quem trabalha na área de saúde em Alagoas.

Fonte: Ascom UFAL

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