Alagoas é referência em reconhecimento de paternidade

AssessoriaJuíza Ana Florinda

Juíza Ana Florinda

Alagoas vira referência internacional em reconhecimento de paternidade por meio do trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Promoção da Filiação (NPF), do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), coordenado pela juíza Ana Florinda Mendonça da Silva Dantas, que integra o projeto Registro Integral, com o registro de nascimento feito ainda na maternidade. A experiência de sucesso será apresentada pela magistrada nos dias 21 e 22 de setembro, no Panamá, durante a Conferência Regional para a América Latina e o Caribe sobre o Direito à Identidade e Registro Universal de Nascimento, promovida por entidades internacionais como a Organização de Estados Americanos (OEA), Banco Interamericano de Desenvolvimento e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Um dia antes (dia 20), Ana Florinda apresenta a experiência do Núcleo da Filiação, que busca identificar todos que possuem registro incompleto, apenas com o nome da mãe, e do projeto Registro Integral, na Conferência da Federação Internacional das Mulheres de Carreiras Jurídicas, em Brasília.

No Panamá, o objetivo é renovar o compromisso dos países das Américas para alcançar o registro de nascimento gratuito antes de 2015. O evento busca identificar os principais avanços e desafios regionais e nacionais e compartilhar experiências inovadoras e chegar aos mais excluídos, como já faz o programa alagoano.

Ser privado de sua verdadeira identidade genética pode ser um trauma, sobretudo para crianças e adolescentes. Tentar descobrir suas origens tem relação com os princípios fundamentais da Constituição Federal pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o direito à cidadania. Além do direito à filiação, o trabalho promove os demais direitos decorrentes: o direito à guarda, convivência familiar, de alimentos e outros futuros.

A idéia do NPF surgiu quando a juíza Ana Florinda, a partir de uma pesquisa acadêmica do Centro Universitário Cesmac com estudantes do curso de Direito, revelou em 2005 que 20% das crianças registradas em Maceió não possuíam o nome paterno em seus registros de nascimento. Em 2008, o TJ-AL criou o Núcleo. Em 2009 foi firmado parceria com a Prefeitura de Maceió para sua estruturação.

Uma parceria inovadora com a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) permitiu que o laboratório de genética desenvolvesse um kit prático de coleta de material genético a partir da saliva. Por sua praticidade, o kit para DNA permite fazer a coleta bucal em escolas, presídios e até enviá-lo por sedex para exame em outro Estado, como já foi feito de Maceió para São Paulo, ou mesmo até mandar o kit para outro país, seguindo trâmites e meios jurídicos entre magistrados. São pais sem condições de retornar para Alagoas para fazer o exame, sobretudo por questões financeiras. Lidar com coleta de sangue seria um complicador em qualquer caso, pois é atividade restrita a área de saúde.

Em maio do ano passado foi firmado convênio com o Unicef para capacitação da equipe e apoio às ações. Isso foi fundamental para promover a integração entre o TJ-AL e do Fundo Estadual de Registro Civil (FERC) ao Comitê Estadual de Erradicação do Sub-registro de Nascimento e ao Pacto Nacional Um Mundo para a Criança e do Adolescente do Semiárido.

Num trabalho de extensão, alunas de Direito do Cesmac fazem um trabalho de conscientização das mães nas maternidades de Maceió com atendimento pelo Sistema Único de Saúde. Ministério Público Estadual, Defensoria Pública de Alagoas e Associação dos Notários e Registradores de Alagoas são outros parceiros. A equipe do NPF é multiprofissional formada por psicólogos, assistentes sociais e analistas judiciários.

Os dois trabalhos – do Registro Integral e do Núcleo de Promoção da Filiação -se complementam e a cada conversa surge uma criança, adolescente ou mesmo um adulto que não tem registro ou não tem o nome do pai no documento. “Sem o registro civil, pelo sistema brasileiro, a pessoa não existe, é o documento de cidadão brasileiro. Sem o nome do pai, o registro não é completo há um déficit nos direitos e no emocional dessa criança ou adolescente”, afirma a juíza Ana Florinda.

O Núcleo de Promoção da Filiação recebeu em dezembro de 2010, por meio da juíza, o Prêmio Innovare, no Supremo Tribunal Federal, que tem por objetivo o desenvolvimento de projetos para pesquisa e modernização da Justiça brasileira. Segundo a juíza Ana Florinda, além da diminuição significativa das ações de investigação de paternidade que tramitam nas Varas de Família de Maceió e rápida resolução das que já estão em andamento, a prática divulga o pensamento da paternidade responsável e os direitos da criança e do adolescente.

Reconhecimento espontâneo

Um dado interessante do Núcleo: 63% não fazem exame de DNA, mas o reconhecimento espontâneo do filho ou filhos. Já houve casos de um pai reconhecer 14, 11, 6, 5 ou 3 filhos de um só vez, mesmo sem a necessidade de realização do exame. São 37% os casos em que se faz o DNA, dos quais 87% dão resultado positivo para a paternidade. Hoje, já são 2.140 casos resolvidos e a ideia é estender o trabalho aos municípios.

14 filhos

É o caso de José Carlos Vieira da Silva, 51 anos, pai de 14 filhos. Nenhum tinha registro de nascimento com o nome de José Carlos, só o da mãe constava, porque os mais velhos nasceram quando ele mantinha um relacionamento foro do casamento com Maria Cícera Belo da Silva, com quem também sempre viveu e optou por morar com ela e terminar com o outro casamento. “Os mais novos foram nascendo e como os mais velhos não se registraram com o nome dele, não quis registrar os mais novos, também não podia pagar”, justificou Maria Cícera, que mora numa pequena casinha no Rio Novo.

Da escola, as crianças trouxeram a notícia de que podiam inserir o nome do pai no documento, fato que alegrou toda família. O casal tem uma “escadinha” de crianças, adolescentes e adultos. A mais nova, Chaiane, ainda de colo, tem 1 ano, e mais velha, Maria Quitéria Belo Vieira da Silva, 26 e um filho pequeno. José Carlos tem mais três do primeiro casamento, além de 5 netos com Cícera, mas o casal queria mais filhos, se não fosse a cesariana no último parto e as orientações médicas para encerrar nos 14, apesar de viver de reciclagem de materiais descartados.

Esse e outros casos com o de José Carlos com o bem-vindo reconhecimento espontâneo gera menos processos litigiosos em averiguação de paternidade. “Em menos de dois anos de funcionamento do Núcleo, somente nove dos casos atendidos foram encaminhados para ingressar com ações judiciais”, diz Ana Florinda.

Segundo a juíza, o projeto é barato e não requer processo. “Levantamos o perfil econômico e foi constatado que mais de 80% desse público não tem renda ou ela é inferior a um salário mínimo”.

Tudo começa com a identificação da demanda pelos cartórios de registro civil. Em seguida, se faz o acolhimento da mãe para informações sobre a paternidade do filho; audiência de conciliação e finalização no cartório, com mandados de averbação enviados pelo próprio Núcleo para evitar que os responsáveis deixem de concluir o procedimento.

Em casos em que falta o endereço do pai, ou se tenha apenas o apelido, a equipe faz uma busca ativa pelos referenciais fornecidos. A equipe vira “detetive”, usa o telefone e fontes de investigação. O cadastro do TRE é uma das fontes quando se tem o nome do suposto pai.

O Núcleo também faz, em parceria com o sistema prisional, o reconhecimento de filhos de reeducandos, possibilitando a visitação e assegurando o direito de conviver com seu pai, mesmo em situação de adversidade.

“Paidrasto”

Os padrastos também viram pais legalmente pelo projeto. A adoção unilateral, que significa a adoção do enteado, sem filiação paterna, pelo seu padrasto, marca o reconhecimento de filiação social e afetiva.

Nesses casos, a equipe técnica realiza visitas domiciliares e atendimentos para emissão de parecer psicológico e sociológico. Houve 17 adoções por padrastos e mais 30 estão sendo em estudo para ver se há compatibilidade para adoção processual.

O modelo de Alagoas, de São Paulo e de Mato Grosso viraram resolução no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com a diferença que no Estado é um trabalho contínuo e não feito apenas em mutirões como os outros dois.

Fonte: Ascom Justiça Federal/Ana Márcia

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