Lei em 80% dos países discrimina domésticas, diz estudo

Um levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que analisou a legislação de 65 países, indica que 80% deles, incluindo o Brasil, não dão aos trabalhadores domésticos os mesmos direitos dos demais trabalhadores.

Por meio de leis e decretos, esses países consideram empregadas, faxineiras, babás, motoristas, jardineiros, entre outros trabalhadores, como pertencentes a uma categoria à parte, com menos direitos.

Entre os países citados como exemplos positivos pela pesquisa, está a África do Sul onde, desde 2003, a categoria tem todos os direitos garantidos aos trabalhadores do país, incluindo o direito a um fundo semelhante ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), uma das reivindicações dos trabalhadores domésticos no Brasil.

Os cerca de um milhão de trabalhadores domésticos sul-africanos têm ainda uma jornada de trabalho máxima de nove horas diárias, se trabalharem cinco dias por semana, ou de oito horas, se trabalharem mais de cinco dias na semana. No Brasil, a categoria não tem jornada definida por lei.

"A África do Sul é um ótimo exemplo para o mundo. Não apenas pela introdução da nova lei, mas também porque o país tenta, de fato, fazer com que os direitos do papel sejam respeitados na prática", disse à BBC Brasil José María Ramirez Machado, autor do estudo e especialista da OIT nas áreas de trabalho infantil e forçado.

Outro lado da moeda

O porta-voz do ministério do Trabalho da África do Sul, Mokgadi Pela, conta que não foi fácil introduzir a lei que aumenta encargos e responsabilidades dos patrões.

Segundo ele, temia-se que a equiparação de direitos fosse acabar provocando um aumento no desemprego e na informalidade.

"Nossas pesquisas mostram que não houve nenhum impacto negativo no mercado de trabalho", disse Pela.

Uma moradora de Pretória – que pediu para não ser identificada porque opiniões contrárias à introdução da lei são, segundo ela, confundidas com racismo – disse que teve que demitir sua empregada – tem hoje apenas uma faxineira – e pretende fazer o mesmo com o jardineiro.

"Por mais que meu exemplo não se reflita nas estatísticas, essa lei é injusta com o patrão. Estamos muito mais vulneráveis agora. Não apenas pagamos mais para ter um empregado doméstico como também ficou mais difícil demitir. Temos que dar, antes, advertência por escrito, um absurdo", disse.

"E se desconfiarmos que a empregada está roubando? Vamos dar uma advertência e esperar que ela melhore? Esse trabalho tem uma natureza diferente da de outros trabalhos e deveria ser tratado de forma diferente", acrescentou.

Como no Brasil, a maioria dos trabalhadores domésticos na África do Sul são negros.

Panorama mundial

Outros países incluídos na pesquisa de José Ramirez, apesar de terem leis específicas que, na prática, dão menos direitos aos domésticos, concedem a eles direitos pelos quais a categoria luta no Brasil.

A lei trabalhista na Finlândia, por exemplo, determina que o empregado doméstico receba por cada hora extra trabalhada o dobro do que recebe normalmente por hora. No Brasil, o trabalhador doméstico não tem direito a hora-extra.

Na Itália, uma nova lei estendeu às domésticas garantia no emprego durante a gravidez. O trabalhador doméstico no país também tem acesso a um benefício se sofrer um acidente de trabalho. No Brasil, a categoria conquistou recentemente o direito a estabilidade durante a gravidez, mas continua sem acesso ao benefício por acidente de trabalho.

No Vietnã, onde a lei não discrimina o trabalhador doméstico, fiscais do governo têm autorização para verificar, a qualquer momento, condições de trabalho nos domicílios. No Brasil, é preciso ordem judicial para se entrar em uma residência.

"Já tivemos vários casos em que a ordem judicial demorou tanto que, quando ficou pronta, a situação já era outra. Provas desapareceram e nada pôde ser feito", disse Creuza Maria Oliveira, presidente da Confederação Nacional das Trabalhadoras Domésticas.

"A empregada no Brasil, muitas vezes, mora em condições insalubres, em um quarto apertado, sem janela, que divide com brinquedos quebrados, roupa suja, botijão de gás e outros possíveis riscos à sua segurança", acrescentou.

"Aqui na Bahia, uma empregada morreu quando uma prateleira com objetos pesados caiu em cima dela, enquanto dormia. O acidente de trabalho entre trabalhadores domésticos é um problema sério no Brasil, mas pouca gente parece se importar com isso", concluiu.

"Coisa de mulher"

Para a economista da Universidade Federal Fluminense (UFF) Hildete Pereira de Melo, que estuda o tema do emprego doméstico há mais de 20 anos, a posição de inferioridade da mulher nas sociedades está por trás dos problemas enfrentados pela categoria no Brasil e no mundo.

No Brasil, por exemplo, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 93,3% dos trabalhadores domésticos no Brasil são mulheres.

"Os problemas são um reflexo do papel da mulher na sociedade, é ‘coisa de mulher’ e, portanto, um serviço de segunda categoria, que a sociedade teima em não valorizar", disse a pesquisadora.

"Mesmo dentro da categoria de trabalhadores domésticos, os homens ganham mais do que as mulheres e têm maior grau de formalização", acrescentou.

Sindicalização

Para José Ramirez, da OIT, a baixa sindicalização da categoria em várias partes do mundo é outro fator que atrapalha a luta por direitos iguais.

No Brasil, o índice de sindicalização é de apenas 1,5%, o mais baixo entre todas as categorias de emprego.

Gloria Moreno-Fontes, especialista do Programa de Migração Internacional da OIT e responsável por projetos sobre trabalhadores domésticos, aponta o que ela considera outro obstáculo.

Segundo ela, muitos dos que têm poder de decisão sobre o assunto são parte interessada na questão.

"Políticos, acadêmicos e muitos dos que participam de discussões sobre o assunto têm empregadas domésticas e nem sempre estão dispostos a arcar com os custos da equiparação de direitos", afirmou Moreno-Fontes.

Pessoa física

Para o economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio, a legislação trabalhista brasileira é "um horror" e não deveria ser estendida aos trabalhadores domésticos.

"É uma legislação que prejudica o próprio trabalhador. Se o empregado doméstico passar a ter, por exemplo, direito ao FGTS, isso vai acabar se voltando contra ele. Vai aumentar a informalidade, o desemprego e reduzir o salário real", disse.

Isso porque, avalia o professor, o dinheiro usado para pagar o maior encargo vai deixar de ser usado, por exemplo, para aumentar o salário do empregado. Quem não puder arcar com os custos adicionais, vai demitir ou contratar sem carteira.

Por um lado, o impacto poderia ser negativo, por outro, segundo ele, é possível justificar a diferença entre domésticos e todos os outros trabalhadores brasileiros.

"O patrão do empregado doméstico é uma pessoa física, que é diferente de uma pessoa jurídica. As regras não podem ser as mesmas", afirmou.

Brasil

No Brasil, por enquanto, teses como a de José Márcio Camargo prevaleceram.

Em julho deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para os trabalhadores domésticos.

A inclusão deste direito tinha sido feita pelo Congresso em uma Medida Provisória (MP) que, originalmente, previa apenas o desconto do Imposto de Renda da contribuição de 12% do salário que vai para a Previdência Social.

O obejtivo da MP era, com isso, incentivar que patrões regularizassem a situação de seus empregados no INSS e, consequentemente, aumentar o grau de formalização.

Segundo o IBGE, apenas 28,1% dos empregados domésticos contribuem com a Previdência Social no Brasil, o menor índice entre os trabalhadores urbanos. Além disso, 74% dos 6,472 milhões trabalhadores domésticos brasileiros não têm carteira assinada.

Apesar de ter vetado o FGTS, o presidente Lula acatou outros benefícios introduzidos pelo Congresso na MP como estabilidade no emprego da gestante (desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto), férias de 30 dias corridos mais adicional de um terço do salário mínimo e a proibição do desconto, por parte do patrão, de gastos com alimentação, higiene, vestuário e moradia.

Fonte: BBC

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