O mar é azul da cor da esgoto

Arquivo PessoalAna Karine Pimentel

Ana Karine Pimentel

A discussão sobre saneamento básico no Brasil ganhou força no último período graças a Plano Nacional de Saneamento Básico que incubiu aos governos em suas diversas esferas a responsabilidade de constituir políticas que permitam acesso ao saneamento pelo conjunto da população brasileira.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), saneamento é o controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeitos nocivos sobre o bem estar físico, mental e social. No Brasil, a partir da Lei nº 11.445/07,foi sistematizado o conceito de saneamento básico como sendo o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais urbanas BRASIL (2007).

Esse debate que se intensificou no último período resultou no acordo coletivo  com os Objetivos do Milênio das Nações Unidas e a instituição de 2009 – 2010 como o Biênio Brasileiro do Saneamento  (Decreto nº 6.942/09), com o propósito de mobilizar para o alcance da meta de, até o ano de 2015, reduzir pela metade a proporção de pessoas que não contam com saneamento básico.

Desta forma o PMSB é uma política pública de cunho socioambiental e visa ordenar os serviços públicos de saneamento levando em consideração as funções de gestão para prestação dos serviços de saneamento básico com enfoque na distribuição universal do abastecimento de  água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo das águas pluviais e limpeza pública.

Atrelado ao Plano Nacional de Saneamento Básico esteve também a criação de a Lei nº 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Atualmente, o conceito mais utilizado de resíduos sólidos é o da ABNT NBR 1004/1987 que define da seguinte forma: “resíduos nos estados sólidos, semissólidos, que resultam de atividades da comunidade de origem: industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgoto ou corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnicas e economicamente inviáveis em face a melhor tecnologia disponível”.

Como salienta Cavinatto (1992) não é novo o entendimento humano (por vezes intuitivo) que a água poluída por dejetos e resíduos transmite doença mas desde as  civilizações, como a grega e a romana, desenvolveram-se técnicas avançadas para a época, de tratamento e distribuição da água.

Vale ressaltar que a ausência de Saneamento básico pode provocar a proliferação de doenças e vetores, contaminação de alimentos e água e o comprometimento dos recursos físicos e naturais.

Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento o Brasil  (2014)apenas 94.335.251habitantes do Brasil eram atendidos com o sistema de esgotamento sanitário, dos quais 581.619 habitantes encontram-se em Alagoas.Segundo a Companhia de Saneamento de Alagoas- CASAL 300.000 habitantes beneficiados encontram-se em Maceió que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística  IBGE  já chega a marca, em 2015 a 1.013.773 habitantes,ou seja,pouco mais de 30% da população da capital alagoana possui algum tipo de esgotamento sanitário.

Esse cenário de falta de saneamento básico é  comumente resumido a falta de  esgotamento sanitário e aparece constantemente  na realidade da periferia ou das comunidades dos bairros da orla lagunar,  principalmente em períodos de chuvas, onde se observa as galerias pluviais sem condições de escoamento de água por estarem cheias de lixo e outros resíduos e nunca teve grande atenção por parte do s órgãos públicos .Fato é ,que tal tema só ganhou destaque e capas de jornal  por ter provocado uma mancha escura de um raio de aproximados 20km de extensão naquelas que tem sido consideradas as mais belas praias urbanas do país .

Recentemente, alguns foram surpreendidos (apenas com visibilidade, pois todos já sabíamos que inúmeras ligações clandestinas dos luxuosos prédios da região  levam esgoto não tratado para o mar de Maceió). O Instituto do Meio Ambiente (IMA), como órgão responsável pela execução da política ambiental do Estado tem feito ao que nos parece uma atuação tímida no sentido de coibir as infrações e pressionar por medidas que superem a degradação ambiental e até a contaminação da população no caso do contato direto com a água do mar que recebe esgoto clandestino e não tratado. No caso do aparecimento da mancha escura o órgão multou a prefeitura e autuou e pediu providencias a CASAL para resolução da problemática. Na prática, nenhuma bandeira de sinalização ou ação de intervenção urbana foi realizada para esclarecer a população sobre o risco da contaminação no contato com a areia e a água do mar.

A Prefeitura de Maceió pouco avançou nesse sentido. Apenas no final de novembro de 2015 publicou uma versão preliminar do Plano Municipal de Saneamento Básico e Gerenciamento de Resíduos  Sólidos  de Maceió que está muito aquém do atendimento das reais demandas da cidade mas apontam para maiores investimentos de parcerias público privadas que tem na lógica o sucateamento ainda maior do serviço público.Atrelado a isso,a expansão imobiliária e desordenada  do litoral norte da capital denunciada amplamente pelos moradores da região afundam ainda mais qualquer possibilidade de atendimento ao conceito inicial que citamos de saneamento básico da Organização Mundial de Saúde.

Em tempos de alta estação em que o mercado turístico e a hotelaria apresentam 100% de lotação até 2016 não seria nada animador ter praias fechadas por prevenção a saúde humana ou ainda refreamento da especulação imobiliária do nosso litoral.

Em meio ao “caos” da falta de saneamento básico (que ,repito não se resume a esgotamento sanitário) a CASAL é diariamente bombardeada e surdinamente colocada a venda por um governo estadual  descomprometido com o serviço público de qualidade.No ano de 2015 marcado como meta para reduzir pela metade o não atendimento ao saneamento básico a população alagoana corre o risco iminente de ter a sua empresa de saneamento privatizada.

Privatizar seria bom para quem?Resolveria o problema de quem?Vimos em 2015 inúmeras ruas esburacadas e a troca de tubulação em quase toda a capital e agora com quase todas as obras prontas começaram os bombardeios de que esta empresa não atende a demanda da população. Com seus 777,37km de extensão de rede de esgoto quem receber a concessão da empresa, caso ela seja privatizada, receberá nova encanação e um serviço público completo que deverá (a preços altos para nós e a baixos custos para eles) apenas manter.

O sucateamento da imagem do público pela ilusão do privado nos parece ser mais uma arma daqueles que  não acreditam e não defendem um serviço público de qualidade para todos.

A grande mancha que transborda nas nossas praias, não é apenas de dejetos das ligações clandestinas não tratadas é também (talvez acima de tudo) a materialização da política suja que se perpetua de pai para filho nessas terras do meu coração.

Fonte: Ana Karine Pimentel (Gestora Ambiental e estudante da Pós Graduação em Educação e Meio Ambiente do Instituto Federal de Alagoas)

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