Brasileiro faz filme com vaquinha em Londres e disputa prêmio com ‘Star Wars’

Produção independente recebeu três indicações em premiação na Inglaterra; trabalho envolveu testes pela internet e até refeições em van.

DivulgaçãoO diretor e editor mineiro Daniel Florêncio recorreu ao financiamento coletivo para viabilizar seu primeiro longa de ficção, rodado em Londres

O diretor e editor mineiro Daniel Florêncio recorreu ao financiamento coletivo para viabilizar seu primeiro longa de ficção, rodado em Londres

Um brasileiro radicado em Londres, que fez uma vaquinha na internet para fazer seu primeiro longa de ficção, agora disputa um prêmio do cinema inglês com superproduções como Star Wars: O despertar da força e 007 contra Spectre.

Chasing Robert Barker (Perseguindo Robert Barker), do mineiro Daniel Florêncio, concorre em três categorias do chamado National Film Awards: melhor filme de ação, melhor ator e melhor ator coadjuvante.

Embora esteja longe de ser uma disputa do Bafta (o equivalente britânico ao Oscar), as indicações pegaram a equipe de surpresa. A premiação em questão está na segunda edição e é organizada pela IEG Global, uma firma de mídia e eventos.

“Foi uma loucura, porque o filme ainda não foi lançado na Inglaterra. Apenas algumas pessoas da indústria e o pessoal do Kickstarter (site de financiamento coletivo) assistiram”, disse Florêncio.

“O pessoal do Kickstarter”, no caso, são os 300 apoiadores que contribuíram com 50,3 mil libras (R$ 288 mil, pela cotação mais recente) para viabilizar a produção.

O filme, rodado na capital britânica entre abril e maio de 2013, aborda o mundo dos paparazzi, mas sob um ângulo diferente. Em vez de uma celebridade perseguida por um fotógrafo, o foco é um profissional pressionado pela tarefa de registrar imagens indiscretas de um ator.

O protagonista, David (interpretado pelo islandês Gudmundur Thorvaldsson), é um estrangeiro de passado sofrido. Ex-fotógrafo de dança, ele vive dirigindo por Londres à noite em busca de celebridades para clicar. A única pessoa que considera amigo é seu informante Eno, um imigrante ilegal e porteiro de casas noturnas de elite.

Uma noite, David recebe uma dica de Eno: o ator Robert Barker está jantando com uma jovem. A imagem do suposto casal emplaca a capa do tabloide para o qual David trabalha e Olly, editor de caráter duvidoso, passa a pressionar o fotógrafo por mais imagens. A perseguição leva o protagonista a encarar seu passado e os danos causados por uma reportagem questionável.

A linha tênue entre ética jornalística e o mundo dos famosos já estava no radar de Florêncio, que em 2007 dirigiu o documentário Tracking William, que segue a rotina de um fotógrafo no encalço do príncipe britânico.

A ideia do filme ganhou força com o escândalo envolvendo o tabloide britânico News of the World, que fechou em 2011 por envolvimento em escutas telefônicas ilegais. O caso motivou uma grande discussão pública sobre a cultura e as práticas da imprensa no Reino Unido.

O filme tem uma ponta do jornalista Rich Peppiat, que ficou famoso na Inglaterra ao enviar uma carta pública acusando de racismo o dono do tabloide em que trabalhava, o Daily Star.

“Com o Tracking William vi melhor quem são esses personagens: os paparazzi e o universo que habitam. Pesquisei muito a respeito após o filme, assisti a outros documentários. É um mundo à parte, uma realidade que a gente sabe muito pouco a respeito. Algo que merece ser retratado”, afirma Florêncio.

Produção independente

Na premiação do próximo dia 31 de março, Chasing Robert Barker disputará o prêmio de melhor filme de ação com outros oito filmes.

Por trás das telas, o contraste com o rival mais famoso, a aguardada sequência da franquia Star Wars, não poderia ser maior. Enquanto a saga de ficção científica custou estimados R$ 800 milhões, Barker teve testes de elenco pela internet, mudanças de locações de última hora e refeições no carro da produção.

Para o diretor brasileiro, que também assina o roteiro do filme, ao lado da mulher, a grega Maria Nefeli Zygopoulou, a entrega da equipe ao projeto foi fundamental.

“Pelas condições do filme, tínhamos que ter alguém muito engajado, com vontade, que soubesse qual era o lance. Não tínhamos, por exemplo, trailer para ator, jantávamos na porta da van”, diz Florêncio, em elogio ao ator principal, que agora compete na premiação com alguns dos principais nomes do cinema atual, como Michael Fassbender, Tom Hardy, Colin Farrell e Colin Firth.

Uma dose de jogo de cintura brasileiro também ajudou. Como no dia da gravação em frente à Royal Opera House, famoso teatro de Londres. A casa havia autorizado a filmagem, mas a subprefeitura local vetou a gravação na última hora.

A equipe de produção entrou em modo frenético e acabou conseguindo uma casa de shows em Hackney, no outro lado da cidade. Daí foi apenas retirar os cartazes dos espetáculos em exibição e o espaço fez o “papel” de Royal Opera House.

O mesmo ocorreu com uma cena planejada para o movimentado bairro do Soho. Era muito barulho e gente para organizar a gravação e a filmagem acabou sendo em uma pequena rua no sul de Londres.

“Percebemos que os britânicos querem fazer tudo ‘by the book’ (de forma precisa). Se fosse assim, o filme não acontecia”, conta Daniel, que liderou uma equipe técnica de 20 pessoas – com apenas outros dois brasileiros, os diretores Azul Serra (fotografia) e Bianca Turner (arte).

Metade do caminho

O financiamento coletivo bancou a filmagem do longa, mas após a gravação ainda era preciso finalizá-lo: edição, trilha sonora, efeitos especiais, ajustes de cor e som – e, portanto, mais dinheiro.

“Quando vi o material gravado, vi que era muito bom, com ótimas atuações. E pensei: não vou terminá-lo sozinho”, relembra o diretor, que passou a buscar apoio para “polir” o longa da melhor maneira possível e garantir um “futuro” para a produção.

Após uma via-crúcis por investidores e escritórios de produção, Florêncio conseguiu fechar parceria com a produtora islandesa Pegasus, responsável pelas cenas de gelo do seriado Game of Thrones, que assumiu a pós-produção.

A conexão Islândia ajudou a dar o pontapé inicial na carreira internacional do filme, que teve a primeira exibição no Festival Internacional de Cinema de Reykjavík, em setembro de 2015, entrando depois em circuito comercial naquele país – o único até agora.

Mais de três anos depois do início da empreitada, o trabalho continua. Florêncio e a Pegasus hoje estudam caminhos para o lançamento comercial do filme na Inglaterra, que deve ocorrer até o final do ano.

Ainda não há previsão de exibição no Brasil, mas o trailer com legendas em português já pode ser visto online. Os vencedores do National Film Awards serão escolhidos em votação popular pela internet.

Olhar brasileiro

Embora seja um filme rodado na Inglaterra, falado em inglês e sem referências ao Brasil, o filme não deixa de remeter ao caráter “estrangeiro” do diretor. Quase todos os principais personagens, por exemplo, são imigrantes.

O tema do deslocamento já aparecia em trabalhos anteriores, como os documentários Loverboys (2007), sobre prostitutas estrangeiras na Holanda, e A Brazilian Immigrant (2005), sobre maus tratos a brasileiros na fronteira britânica.

“Não me sentiria confortável em fazer um filme 100% britânico. Não sei fazer isso”, afirma Florêncio, que estudou rádio e TV em Belo Horizonte e mudou-se para Londres em 2004 para cursar um mestrado em arte e mídia. “O que há de brasileiro no filme são as pessoas que o fizeram e a ginga para fazê-lo acontecer.”

Fonte: BBC

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