As cartas de amor que escrevi em Anadia

Como não lembrar, esquecer momentos que são tocados com o pulsar do coração, aqueles que ficam escritos na alma para sempre? Eu acredito no que está escrito, mesmo que seja nas estrelas…

Quem é da minha geração teve por obrigação de lançar a mão e, recorrer às famosas cartas, escritos, para ter que manifestar o que seu intimo falava, pedia, gritava, ou até mesmo soluçava.

A imagem que me vem à mente é exatamente a figura de um homem franzino, de estatura pequena, com uma roupa caqui, sacola de couro pendurada nas costas, a percorrer as ruas de Anadia para entregar as notícias, as novidades, alegrias, tristezas, esperanças e sonhos de amor.

João Peninha prestou relevantes serviços ao nosso povo, além de carteiro também exercia a profissão de enfermeiro. Romântico, um eterno apaixonado partiu para a eternidade levando consigo um segredo. Nunca tornou públicas as cartas de amor que escreveu para a sua amada.

Estava escrito – “Eu não desejo saber quem agora, tem tudo aquilo que eu tive, outrora, quem dos teus lábios tem carinhos, da tua voz tem as mesmas palavras de amor…”. Embalava a canção que nos invadia os ouvidos, época da Anadia de outrora.

E foi nesse ambiente fértil de amor e romantismo que nasci e comecei a crescer, palatando as noites de serenatas, boemias e boas músicas. O luar cinzento do brilho do céu e das estrelas… Louco quem pensou a vida sem amor e paixão!

Indo direto ao assunto, a primeira carta que escrevi eu tinha exatamente 06 anos, a primeira paixão que arrebatava todo o meu pensamento dia e noite, Ela era a dona da minha cabeça…

Uma loirinha linda, lá da Rua do Sertãozinho. Entorpecido, inebriado não sabia fazer outra coisa a não ser correr para sua casa, com pretexto de brincar com seus irmãos que eram meus amigos – Eis a desculpa.

Este meu primeiro escrito, foi levado por ela quando de forma inesperada foi embora da nossa cidade. Nunca tive a resposta. Esvaiu-se com o passar do tempo! Desiludido, incrédulo dei um ”time” no colocar no papel o que o coração e a mente maquinava. Já vivenciávamos uma boa nova. A Bossa Nova, A Tropicália, Os Embalos de sábado à noite. Curtíamos Caetano, Gil, Chico, Roberto e Erasmo, Raul Seixas. As paixões já tinham se tornadas fugidias, fugazes e fictícias.

Confesso que a época do “amor livre”, “paz e amor”, do movimento hippie ao ouvir e tentar copiar Os Beatles, Bob Dylan, Jimi Hendrix eles provocaram mexeram com o pensamento, modos e comportamentos de todos nós. A provocante “liberdade” dia e noite seduzia, inebriava…

Chequei a pensar – em um dado instante, que estava apaixonado por uma musa, uma cantora e dançarina de circo… Nada era profundo. A juventude perversa do coração não fazia outra leitura a não ser o volúvel sim da paixão, pautado na vã filosofia.

Bons tempos da apaixonante Anadia!

Com as roupas coloridas, cabelos soltos ao vento, burlávamos o cerceamento da liberdade vigente – a ditadura militar, não dá pra não lembrar, pois a mesma roubou dos nossos convívios vários jovens.

Mas cantávamos e chorávamos com o Gilberto Gil: “Bem que eu me lembro a gente sentado ali, na grama do aterro sob o sol, observando hipócritas, disfarçados, rondando ao redor, amigos presos, amigos sumindo assim, pra nunca mais, as recordações retratos de um mal em sí, melhor é deixar pra trás, não, não chores mais… não, não chores mais!”.

Os “assaltos” roubavam a cena, era tudo de bom que naquele instante, em um espaço, um local, uma residência era literalmente invadida pela contagiante alegria, festa… A música a tocar na vitrola, as cadeiras afastadas da sala a magia do dançar rosto colado, bem juntinho de alguém que nos fazia bem!

Indescritível sensação!

A segunda carta que eu me lembro de ter escrito, talvez tenha sido devorada pelas chamas das labaredas de fogo e consumida pelo ódio, da moça bonita que a recebeu. Até que tentei convencê-la da autenticidade, veracidade dos sentimentos escritos, mas não consegui ser convincente.

Soube após anos que ela nunca acreditou nas minhas palavras. Afirmava ela, que era outra que eu amava.

Outro hiato apresentou-se em minhas verborizações e ilusões amorosas! Como uma anunciação de que algo verdadeiro, efetivo e definitivo iria acontecer, resguardei-me e não mais escrevi qualquer tipo de carta de amor em Anadia.

A partir daquele instante passei a escrever somente cartas de amor para a terra que me viu nascer, Anadia. Já escrevi várias e, pretendo continuar a escrevê-las.

Talvez o sucesso esperado na escrita não tenha sido o meu forte!

Mas como sou um romântico contumaz, apaixonado pela vida e, justamente ela o C’ est La Vie me deu de presente o amor que eu sempre busquei destinatária de todas as minhas verdadeiras declarações de amor, donatária de todo o meu canto e versos.

Parece que foi ontem, diante do andar do tempo rápido e veloz, mesmo assim não me impediu de gravar na mente eternamente, o primeiro beijo perpetrado ao som da música Hotel Califórnia do grupo Eagles, sob a luz negra e a fumaça branca da Zueira Dancing Bar.

É de domínio público que todas as cartas que escrevo, desde 21 de maio de 1988 são todas lidas, corrigidas e editadas por você. Apesar dos altos e baixos da vida, da sofreguidão natural do viver. Temos muito a celebrar!

O sabor do beijo tem nos permitido a renovação, reinvenção do fiel gosto da paixão e do amor!

Cantarolando: “Minh’ alma de sonhar-te anda perdida, meus olhos andam cegos de te ver, não és sequer a razão do meu viver, pois já que tu és já toda minha vida”.

Esta é apenas uma das cartas de amor que eu escrevi fora de Anadia, já são inúmeras todas entregues no mesmo endereço e destinatária – Jeane, a filha do José Mauro, da Dona Margarida e, mãe da Leila.

(*) É filho de Anadia

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