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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Baile funk

Um certo dia, me chega um paciente por volta de 17 anos com algumas peças do seu aparelho quebradas nos dentes da frente. Ao perguntar-lhe como haviam se soltado escuto essa pérola:
– Foi um murro, doutor!
Diante do meu espanto e curiosidade sobre o autor de tal agressão ele revelou:
– Foi o meu irmão quem deu. Ele até machucou a mão!
Quando estava certo que se tratava de mais um caso de briga familiar, ele esclareceu para a minha total estupefação:
– É o seguinte, doutor. A gente vai quase todo fim de semana para um baile funk perto de onde eu moro. Aí chega uma certa hora da noite em que se separa todo mundo do salão em duas galeras – uma pra um lado e outra pro outro. Aí fica uma metade xingando e provocando a outra, até que a gente avança e parte para a porrada. Nesse dia calhou do meu irmão estar do outro lado e então ele me deu essa “bomba” nos meus dentes! -explicou-me didaticamente o rapaz.
Pensei que já tinha visto quase tudo em termos de estupidez humana, mas sempre há margem para mais espanto:
– Mas, você tem algum problema com seu irmão? Vocês são brigados ou algo parecido? -pergunto curioso.
– Claro que não, doutor. Inclusive a gente até vai e volta juntos para o baile. É só naquela hora mesmo e depois fica tudo bem.
– Mas, existe algum critério para essa divisão? Como é tomada a decisão sobre qual lado escolher? – indago.
– É tudo na hora mesmo. Quando começa a divisão, cada um que vai para o lado que estiver mais perto e aí se arma para briga!
Faltando poucos dias para as eleições – talvez uma das mais importantes da história do Brasil – sinto-me do baile funk do meu paciente. As duas metades acabaram de ser divididas e estamos naquele momento de tensão que antecede a explosão de agressividade. Um lado xinga e provoca; o outro chama para a briga e faz juras de ódio eterno. Amigos e conhecidos que até há pouco tempo eram queridos, são transformados quase em inimigos a serem abatidos – o que vale é defender o território das suas ideias e verdades.
A polarização dessas eleições é a maior que já se viu na história recente do Brasil. Os candidatos moderados foram sumariamente rechaçados e o que prevaleceu foi o radicalismo de ambos os lados. Nesse momento, não há mais como ficar no meio do salão ignorando os brados agressivos e irônicos dos dois lados e fingir que nada está acontecendo. O baile funk atinge seu clímax nesse momento e a insensatez está em seu ponto máximo – como falei, há sempre margem para a estupidez humana.
Vejo o ponto de tensão de distender ainda mais e os ânimos se exaltarem a cada dia. Virtualmente há trocas de farpas – veladas ou não – em defesa de gente que definitivamente não merece. Amizades são desfeitas, às vezes de forma permanente e o outro passa a ser visto como alguém de menor valor por não corroborar com o que acreditamos – vemos algo semelhante somente no futebol e na religião.
Após tal reflexão, passei a ver o meu jovem paciente e sua turma não mais como completos imbecis – ou talvez não mais que todos nós. Suas divisões e arengas igualmente insensatas, sempre acabam ali mesmo e todos voltam para casa felizes e comentando o espetáculo de selvageria – mesmo com o aparelho quebrado e a mão machucada, a dignidade não sai jamais ferida.

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