Blog

Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

A moeda

1627C0A1-BCD9-4257-9140-075D16442DEE

 

 Estava certa vez na esteira da academia conversando com um amigo enquanto assistíamos na TV os gols dos jogos de domingo, quando lamentei aborrecido a derrota estúpida do meu time de coração. Ele então falou em tom de desdém que não ligava mais para futebol há muitos anos,  após uma sucessão de raivas e frustrações, e que hoje não se importava nem com jogos de Copa do Mundo. Fiquei impressionado com aquilo. Isso quer dizer que ele nem tinha mais alegrias nem tristezas por causa do futebol e que a humilhante derrota do Brasil para a Alemanha na última copa não lhe fizera a mínima diferença. Após o estranhamento inicial, pensei ser aquela postura a mais inteligente e sensata, e em seguida comecei a refletir sobre situações semelhantes.
Tenho um casal de amigos que apesar de casados há vários anos, preferem não ter filhos pois, afirmam que “criar filhos não é uma coisa  fácil, com muito mais dor de cabeça que prazer” ( segundo eles, viu meus filhos queridos? ) e que preferem continuar  como eternos namorados, sem filhos a azucrinar-lhes a existência.
Perguntei um dia desses a um rapaz se ele não iria arranjar uma namorada, pois o mesmo adorava somente fazer farra com os amigos e apenas ficar com as meninas. Ele então confessou que “preferia não se apegar a nenhuma menina, pois poderiam causar-lhe sofrimento mais à frente já que as mesmas andavam muito danadas hoje em dia”.
Um conhecido meu, apesar de poder, só comprava carros com a marcha manual, e ao ser perguntado porque não adquiria um automático bem mais confortável, ele dizia temer acostumar-se a esse “luxo” e depois frustrar-se caso não pudesse comprar sempre carros automáticos em futuras trocas.
Soube do caso de um sujeito que afastou-se da mãe, deixando-a aos cuidados de uma irmã, no momento que ela descobriu-se portadora de um câncer que a fez definhar até a morte. Seu sobrinho confessou-me que ele tomou essa atitude absurda por pura covardia -terá sido apenas isso?
Seguindo nessa linha é melhor então nada ter, nada conhecer, nada conquistar e de nada gostar para não correr o risco de sofrer depois com a perda. Para que conhecer Paris se não vou morar lá? Para que conhecer um restaurante caro se eu não posso ir sempre que eu desejar? Para que viver tanto, se quanto  mais eu viver, mais  enterros de amigos e parentes eu irei ? Para que amar? Só para depois sofrer?
A paixão é uma moeda de ouro com duas faces -do outro lado tem a dor -uma faz parte da outra e não há como dissociar. Ao possuir essa moeda, corre-se sempre o risco do “cara ou coroa” , não tem jeito. Muitas pessoas  enchem-se de moedas de forma excessiva, quase irresponsável -fanáticos por política, times de futebol ou paixões doentias, por exemplo. Já outras  preferem andar de bolsos vazios, leves como uma pluma e preservados de eventuais assaltos. Porém não compreendem que, ao escolherem viver sem moedas, deixarão de viver algumas ótimas sensações por simplesmente carregá-las consigo -afinal, o que há de tão interessante assim na vida além dessas paixões que carregamos conosco?
Penso que o cuidado  na escolha  do tamanho da moeda que queremos  para nós seja a mais sábia das opções, e não simplesmente deixar de possuí-las. Se ter dez filhos ou se apaixonar toda semana aumenta e muito as chances de sofrer, porque não possuir apenas moedas que nos sejam leves e fáceis de carregar? É fundamental para que suas duas faces não nos atormentem tanto ao longo da vida, e que reconheçamos sabiamente em cada uma delas o seu devido valor.
Na semana  seguinte, voltei a comentar alegremente com meu amigo sobre a grande vitória do meu time e os seus belos gols,  e ele, contudo, fez a mesma cara de desdém.  Pior para ele, pensei, ontem a minha moeda deixou-me  feliz, fazendo-me apreciar a sensação deliciosa de tê-la sempre comigo, mesmo sendo às vezes cara e às vezes coroa.

Veja Mais

Deixe um comentário

Vídeos