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Bispo Filho

Bispo Filho é Administrador de Empresas e Estudante de Jornalismo.

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NOTA PÚBLICA da Comissão Permanente da Infância e da Juventude (COPEIJ) contra a aprovação do projeto de Lei N. 1783/2019 PELO SENADO FEDERAL

A Comissão Permanente da Infância e da Juventude (COPEIJ) do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), vinculado ao Conselho Nacional de Procuradores Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados, do Distrito Federal e Territórios e da União (CNPG), considerando as informações no sentido de que o PL n. 1783/19 (já aprovado na Câmara dos Deputados) que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente para permitir a recondução ilimitada dos conselheiros tutelares no país será colocado em votação na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal no dia 4 de abril de 2019, vem, pela presente nota pública, manifestar sua imensa preocupação com a rápida tramitação e possível aprovação, neste momento, do mencionado projeto de lei, pelas seguintes razões:

Em 2012, a Lei 12.696 alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente para prever o processo de escolha unificado, em todo território nacional, para o cargo de membro do Conselho Tutelar, por meio do voto direto, secreto e facultativo de todos os eleitores habilitados no município, em pleito a ser realizado no primeiro domingo do mês de outubro do ano subsequente ao da eleição presidencial (artigo 139, §1º, ECA). O pleito é conduzido pelo respectivo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, sob a fiscalização do Ministério Público (artigo 139, caput, ECA). O primeiro processo de escolha foi realizado no ano de 2015 e, neste ano de 2019, no dia 6 de outubro, será realizado o segundo pleito.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), no gozo de seu poder regulamentar, determinou que o processo de escolha fosse iniciado no prazo mínimo de 6 (seis) meses antes da data da votação (artigo 7º da Resolução 170/14), ou seja, os editais para o processo de escolha de 2019 devem ser lançados até o dia 6 de abril próximo (por ser um sábado, é possível a publicação até o dia 8).

Por sua vez, o artigo 132 do Estatuto da Criança e do Adolescente, já em 2012, estabeleceu que o mandato do membro do Conselho Tutelar será de 4 (quatro) anos, permitida 1 (uma) recondução. O PL 1783/19, entretanto, altera o Estatuto em um único ponto, somente para permitir a recondução ilimitada dos conselheiros tutelares, que poderão se reeleger quantas vezes acharem conveniente, mediante novo processo de escolha.

Sem embargo da discussão acerca do mérito do projeto, que não se fará neste momento, a aprovação deste PL no Senado Federal e sua eventual sanção presidencial no curso de um processo de escolha já iniciado, com editais lançados em todos os municípios do país, implicará uma enorme insegurança jurídica a todo o pleito, pois certamente a alteração legislativa acarretará numa avalanche de ações judiciais questionando a habilitação, ou não, dos candidatos que buscam um terceiro mandato.

Isso porque, uma vez lançado o edital, de acordo com as normas vigentes no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas leis municipais que regem a matéria, constitui-se ele um ato jurídico perfeito, protegido por cláusula pétrea da Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXXVI). Logo, modificações legislativas posteriores não poderão retroagir para alcançar os editais já lançados e, desse modo, os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente terão, em tese, que indeferir o registro da candidatura dos conselheiros tutelares que busquem um terceiro mandato subsequente; de outro lado, caso o CMDCA autorize a candidatura, o Ministério Público, como fiscal do processo, poderá também impugnar referidos registros. De uma forma ou de outra, o fato é que a aprovação do PL, neste momento, acarretará a inevitável judicialização do processo de escolha, com disputas judiciais incessantes e decisões liminares que, sem dúvida, prejudicarão o bom andamento do pleito.

É válido apontar, nessa linha, que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, enfrentando situação idêntica, porém referente ao processo de escolha de 2015, firmou a seguinte compreensão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DIREITO CONSTITUCIONAL.
DIREITO ADMINISTRATIVO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
PROCESSO ELEITORAL.
ESCOLHA DE CONSELHEIROS TUTELARES.
PUBLICAÇÃO DE EDITAL.
LEGISLAÇÃO VIGENTE.
ATO JURÍDICO PERFEITO.
ART 5 INCISO XXXVI DA CF/88.
ART 6 DA LINDB.
LEI DISTRITAL 5482/15.
DL 2039/2015.
SUPERVENIÊNCIA.
VALIDADE DOS ATOS PRATICADOS.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Verifica-se que o Edital nº 02, do CDCD/DF, publicado em 15/05/2015, destinado ao processo de escolha para membros do Conselho Tutelar do Distrito Federal para o quadriênio 2016/2019, observou a legislação vigente ao tempo de sua edição. Dessa forma, praticado e consumado em consonância com o ordenamento jurídico vigente, torna-se ato jurídico perfeito, protegido constitucionalmente contra alterações legislativas supervenientes.

2. A Constituição Federal, em seu Art. 5º, inciso XXXVI, estabelece os parâmetros para o direito intertemporal, assegurando que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB – estabelece, igualmente, em seu Art. 6º, o seguinte:

A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

3. Para aferir a legalidade do Edital nº 2/2015 CDCA/DF, é necessário observar a legislação vigente na data de sua publicação. Em sendo assim, a superveniência do novo regramento legal, Lei Distrital nº 5.482 de 15/5/2015 e do Decreto Legislativo Distrital nº 2.039/2015, não têm o condão de atingir a validade dos atos praticados sob a vigência da legislação anterior.

4. Recurso conhecido e não provido. Decisão mantida. (Acórdão n.905502, 20150020207913AGI, Relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 11/11/2015, Publicado no DJE: 26/11/2015. Pág.: 124)

Há que considerar, ainda, que a indefinição quanto aos candidatos aptos ou não a concorrer no pleito inviabilizará a utilização das urnas eletrônicas que serão cedidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais para os municípios, processo que vem sendo intermediado em muitos Estados pelo Ministério Público, a fim de garantir a lisura, segurança e eficiência na votação e na apuração subsequente.

É que, como se sabe, há um prazo máximo para a inserção de dados nos equipamentos eletrônicos, de modo que, eventual decisão judicial que seja proferida em data posterior ao limite estabelecido no calendário definido pelos TREs implicará prejuízos, inclusive financeiros, aos municípios, uma vez que terão de retomar, de última hora, o uso de cédulas de papel e urnas de lona.

Por conta desses e de outros motivos é que compreendemos que o projeto, se aprovado de forma açodada, beneficiará apenas e tão somente o interesse particular de alguns conselheiros em detrimento do interesse público de toda a sociedade brasileira e, em especial, das crianças e adolescentes, sujeitos de direitos que gozam de prioridade absoluta por expressa previsão constitucional (CF, artigo 227). Entendemos que a necessária regulamentação e valorização da função de membro do Conselho Tutelar deve ocorrer sem atropelos, em debate que propomos seja muito mais amplo do que este que está posto, como, por exemplo, com a discussão de uma Lei Orgânica Nacional do Conselho Tutelar, cujo anteprojeto já está em tramitação no âmbito do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Em face do exposto, pelos riscos que representa ao regular trâmite do processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar em todo o país, apresentamos esta nota pública para externar nosso posicionamento contrário à aprovação, neste momento, do PL 1783/19. Solicitamos, assim, aos Excelentíssimos Senhores Senadores que permitam uma discussão mais aprofundada do projeto, ouvindo outros órgãos e instituições, ou, subsidiariamente, que em caso de aprovação do PL, incluam dispositivo para que este tenha validade apenas para o próximo processo de escolha unificado (em 2023) e não para este que se avizinha.

Brasília, 3 de abril de 2019

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