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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

O clic

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Quando ainda era um aprendiz na área de cirurgia, observava que o cirurgião-chefe ao torcer um fio de aço com o porta-agulhas durante uma cirurgia, dava as últimas voltas bem lentamente para deixar uma fixação apertada e com bastante cuidado para o fio não arrebentar. Então perguntei-o como saberíamos quando deveríamos parar de torcê-lo, para nem quebrá-lo, nem deixá-lo frouxo. Sua resposta foi simples e complexa ao mesmo tempo -tanto que não esqueci dela até hoje; inclusive passei a entendê-la também em outras situações da minha vida. Disse ele: “Devemos torcê-lo até uma volta antes dele arrebentar”.
Sorri na época e perguntei como saber quando seria essa última volta. Ele apenas sorriu de volta e continuou a cirurgia. Aquela última volta me intrigou, pois referia-se exatamente ao limite desconhecido -aquele ponto que só passamos a conhecê-lo depois que o ultrapassamos -ou nesse caso, quando o fio arrebenta.
Muitos vivem deixando o fio sempre frouxo -o medo de aproximar-se da última volta, os fazem viver sempre aquém das possibilidades. O fio apertado permite a estabilidade que a técnica exige, portanto deixá-lo sempre pouco apertado é nunca se chegar ao objetivo que se almeja -é a covardia do excesso de prudência em seu estado mais puro.
Outros estão sempre uma volta depois da que deveria ser a última -esses conhecem o “clic” -ruído característico do que fio que arrebenta. Neste caso, a cirurgia se demora mais , pois faz-se necessário um novo recomeço com um novo fio -pode-se até ser confundido com inépcia e desleixo, mas a depender de cada “clic” ouvido, é possível aprimorar cada vez mais a mão do cirurgião, para que este passe a entender e enxergar o momento da última volta, sem ultrapassá-lo de uma vez.
Não é possível conhecer os limites sem que deles nos aproximemos. Entre o frouxo e o “clic” ele está ali, escondido e à mostra ao mesmo tempo. É o quanto se guarda e o quanto se gasta, o quanto se mexe e o quanto se descansa, é o quanto se espera e o quanto de busca, é o quanto de fala e o quanto se cala, é o quanto se enxerga e o quanto se finge que não vê, é o quanto se dá e o quanto de toma, é o quanto se solta e o quanto se prende, é o quanto se vive e o quanto se deixa de viver, resumindo, é o quanto se aperta e o quanto se deixa frouxo.
Não tenhamos medo do ” clic”, mas também não tornemos nossas cirurgias longas e improdutivas. Nem deixemos também nosso fio frouxo e inseguro, tal qual quem o torce. Limites não foram feitos para serem ultrapassados, mas sim para serem conhecidos -para aí então, pararmos de torcer o fio uma volta antes do “clic”.

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