Apatia silenciosa

Quando Pedro era pequeno, arrumávamos a bolsa da escola diariamente para olhar tarefas, lanche, material escolar ou qualquer outra coisa que viesse por engano, isso incluía até uma simples borracha, que não pertencendo a ele era separada e feita uma orientação para devolver no dia seguinte. Assim criei meu filho e sei que tantos outros tiveram a mesma prática, explicando que não ficávamos com o que não nos pertence.

Lembro que eu própria fui educada dessa forma. Não fazia parte dos ensinamentos que recebi nada parecido com levar vantagens ou praticar contravenções. As lições do que é certo ou errado eram passadas com clareza, dia após dia, e éramos impulsionados a fazer escolhas corretas ainda que não fossem as mais fáceis.

Mundo bom? Não, não tenho a ilusão de que era tudo perfeito, mas pelo menos não havia declarada falta de valores que diminui a capacidade de estabelecer parâmetros claros entre o que pode e não pode ser feito e assim, vivíamos dentro de casa e na sociedade, uma realidade que se deparava a cada instante com limites a serem respeitados.

Não imaginei que um dia seria grata por ser “antiga” e por ter tido a oportunidade de ter conhecido  honestidade, de acreditar numa sociedade orientada para o cumprimento das leis, com respeito às instituições e principalmente que seus representantes pareciam respeitáveis. Imaginei que isso seria natural, eterno e parte da essência do que somos.

Não sei exatamente onde isso deixou de ser corriqueiro, o fato ē que nos tornamos uma sociedade excessivamente permissiva ao erro, o que torna os valores sociais líquidos e impossíveis de serem mantidos dentro da legalidade.

Eu me sinto desconfortável em citar o passado como sendo modelo, afinal não sou tão alienada a ponto de pensar que não havia problemas seríssimos, o preocupante é entender que nem resolvemos os que existiam e criamos novos, incluindo esse da atual descompostura dos poderes, já que as atuais votações do Congresso e do Senado são de fazer corar de vergonha qualquer homem que um dia selou promessas com um simples fio da barba.

Quase não tenho mais esperanças de viver no País dos meus sonhos, mas o que me apavora mesmo é a possibilidade de que meu filho não saberá se movimentar nesse mundo com os valores que eu ensinei, que o condenei  ao papel de coadjuvante, sem eco, sem retorno e sem espaço.

Como atualmente, à revelia dos escândalos praticados, a arte é um assunto debatido, fiquei imaginado uma escultura na praça dos três poderes, uma alegoria que representasse a atual situação do País e a mais próxima imagem que consegui criar na cabeça a respeito de tudo que tenho visto, foi o “Pensador de Rodim”, sentado num vaso sanitário formado por infinitos rostos do povo trabalhador brasileiro.

Deu pra entender o tamanho da minha decepção? Olho no que se transformaram as instituições brasileiras e penso, “a vontade de rir é grande, mas a de chorar é maior”.

Receio que não haja mais razões para no futuro inspecionar a bolsa dos netos que sonho em ter, que não haja exemplos de sucesso sem ilícitos, que aqueles que acreditam na honestidade tenham sido extintos afogados nessa inversão de valores.

Quero um mundo simples onde devolver o material escolar do colega, respeitar as leis, fazer o que deve ser feito seja natural. Quero ver acontecer o sonho da existência de um adequado conceito coletivo do que é certo e errado, com referências decentes, usadas para criar as gerações futuras. Quero a certeza de que o caminho do bem é o único a ser trilhado.

As gerações futuras não podem ser inviabilizadas, ou fazemos a necessária revolução das práticas e dos valores ou essa falta de moral tornará o futuro pior que o passado. “Quando os homens são éticos, as leis são desnecessárias: quando são corruptos, as leis são inúteis”. Não, definitivamente o amanhã dos nossos filhos e netos não merece isso, queremos justiça de verdade, não mais o que estamos vivendo agora.

Essa apatia silenciosa, onde finge-se não enxerga malas de dinheiro precisa chegar ao fim.

Outubro de 2017

Katia Betina

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