A vida numa sala de museu

Sem prestar atenção cliquei uma alternativa do facebook que me traz diariamente recordações do que postei nos anos anteriores, assim sem saber desmanchar essa notificação, vou revendo o que disse e fiz, olhando e constatando que a maior parte dessas lembranças são absolutamente dispensáveis.

Por isso quando me aparece uma que gosto, me alegro e aproveito para fazer um passeio na memória e essa semana tive a sorte de receber uma dessas. Revi uma foto de Pedro na porta do museu do Prado, em Madri, e lembrei da minha felicidade em revisitar o local através dos olhos dele.

A primeira vez que fui ao Prado eu ainda não era mãe e mesmo trabalhando muito, fora e em casa, sempre tinha tempo para leitura, de modo que cheguei lá conhecendo e sabendo o que queria ver, afinal em museus de acervos muito grande e valiosos, um dia não é suficiente para olhar tudo detalhadamente.

Dentre as diversas opções, dois dos quadros de Francisco de Goya povoavam minha curiosidade e meu imaginário, a “Mulher vestida” e a “Mulher desnuda” e entre as várias teorias para explicar a razão de a mesma mulher, na mesma posição, ser retratada com roupa e completamente nua, sem nenhum artifício artístico que tornasse menos audacioso a exposição do seu corpo, eu escolhi acreditar que teria sido uma encomenda de um homem apaixonado, que gostava de saber que por baixo daquela dama tão bem vestida, encontrava-se o amor de sua vida, sem reservas e sem pudor, ao alcance da vista.

Lembrar isso tudo me fez constatar duas características da minha personalidade: atribuir ao amor coragem para muita coisa e a de me reconhecer boa de realizar planos. Nesse caso em particular eu queria conhecer os quadros e estive diante deles, eu queria que Pedro os visse, e o coloquei diante deles.

Conclui que sem pensar muito, adotei até certo ponto, uma forma de vida que atribui a perseverança e a determinação instrumentos para realização de planos, ou seja, traço um objetivo e vou caminhando (devagar e sempre) até chegar lá, talvez por isso as surpresas que a vida impõe me sejam tão dolorosas.

A adoção desse comportamento “determinado” era mais fácil quando jovem, com tempo de sobra para seguir em direção ao objeto de desejo, até porque acreditando em empenho não tinha dúvidas que realizaria meus sonhos, acontece que a maturidade me colocou diante da realidade da finitude e consequentemente que parte dos meus desejos nunca irão tornar-se realidade.

Essa ē uma constatação dolorosa porque me põe diante de eminentes fracassos, sem que eu tenha me preparado para isso.

A definição de fracasso, quando passamos da metade da vida, não está associada a bens palpáveis e quando penso na possibilidade de me ser oferecido uma segunda chance, eu imagino que mudaria escolhas, decisões ou atos voltados para o lado imaterial e não aos relacionados a conta bancária ou registro de imóveis.

E ao mesmo tempo que me proporciona uma leveza muito grande acreditar que verdadeiros valores cabem no coração, constatar que talvez não venha testemunhar alguns dos sonhos que carreguei vida a fora, me causa uma profunda tristeza.

A vida era mais fácil quando meus desejos se voltavam para conhecer uma obra de arte, quando acreditava que o amor quase tudo resolve, quando podia interferir na emoção do meu filho, quando não tinha tantas dúvidas e tantos medos.

Por enquanto, já que a maior parte das lembranças trazidas pelas redes sociais é insignificante, vou me valendo dos tesouros que tenho guardado na alma para seguir em frente, afinal, se cheguei até aqui, chego mais longe.

Gosto de imaginar que por baixo desse mundo cinza que às vezes eu enxergo, tem um outro, colorido, possível de ser visto quando acionamos um mecanismo parecido com o utilizado para mostrar a “Mulher desnuda” que ficava coberta pela “Mulher vestida”, livre de dor, inundado de sentimentos, numa linda sala de museu, cheio de tesouros e repleta de felicidade.

“Para alcançar a liberdade só existe uma maneira: desprezar tudo que não depende de nós”. Epicteto

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