Pacientes com endometriose denunciam descaso de plano de saúde e erro médico

Uma das vítimas sofreu uma lesão na bexiga durante uma histerectomia e pode passar o resto da vida usando sonda.

Cortesia/Arquivo Pessoal

Estefânia Melo teve a bexiga lesionada durante uma cirurgia de histerectomia

Há pouco mais de um ano a operadora de telemarketing, Estefânia Melo de Oliveira, de 28 anos, deu entrada no Hospital Maceió, da rede Hapvida, reclamando de fortes dores pélvicas e sangramentos. O diagnóstico médico foi endometriose e a solução seria uma intervenção cirúrgica. A partir deste dia, Estefânia Melo viu sua vida mudar radicalmente. Ela conta que teve complicações em decorrência da primeira cirurgia e precisou enfrentar outras quatro. Em uma delas – para histerectomia total, em agosto do ano passado –  ela teve o nervo de sua bexiga lesionado. O pesadelo vivido por Estefânia estava longe de ter do fim.

“Na primeira operação, o médico – indicado pelo plano e que não era especialista em endometriose – disse que me abriu, revirou tudo e não achou nada. Após a cirurgia, continuei sentido dores, sangrando e com mau cheiro, pois estava com Seroma (acúmulo de líquido embaixo da pele durante o pós-operatório). Quatorze dias depois, fui aberta novamente para retirar a secreção, depois voltei ao centro cirúrgico para colocar um dreno para retirar a secreção que não havia parado. Depois deste sofrimento todo, me encaminharam a um cirurgião ginecológico. Em quinze de agosto de dois mil e dezoito foi realizada a quarta cirurgia que desgraçou minha vida. Neste dia, o nervo da minha bexiga foi lesionado e hoje urino através de sonda”, conta Estefânia Melo.

Estefânia Melo denuncia que foi vítima de erro médico e relata que todos os dias precisa ir ao Hospital para ser medicada. Ela não aguenta tantas dores. “Como estou tomando antibiótico há seis meses por conta da sonda, meu organismo não reage mais às medicações. Antibiótico só venoso. Também vivo à base de morfina. A médica chegou a passar uma medicação que custa setecentos reais por semana, mas não tenho condições financeiras de bancar”, desabafa.

Ainda segundo a operadora de telemarketing, somente depois de procurar um médico do plano de saúde, em Recife, foi possível descobrir o que estava ocorrendo. “Após a histerectomia fiquei sem urinar e sentia muita dor. Fiquei interna para investigação e não me informavam nada. Desesperada, recorri a um urologista em Recife, que explicou sobre a lesão na bexiga e disse que eu ter sobrevivido era um milagre”, relata.

Hoje, Estefânia Melo sonha com a cirurgia de reversão que só pode ser realizada em Recife (PE) ou em São Paulo. Contudo, o plano de saúde se nega a arcar com os custos. “Aqui em Maceió, eles chegaram a dizer que tenho que me conformar com a situação e conviver com a sonda para sempre. Mas, há um cirurgião, especialista em endometriose, que realiza a cirurgia de reversão neuromodulador sacral no Hospital Português, em Recife. Com esta cirurgia, eu voltaria a urinar sem a necessidade de sonda. Quero que eles paguem a cirurgia, pois fui vítima de erro médico. Não posso mais trabalhar por conta da minha situação, meu esposo deixou o emprego também para cuidar de mim e meus filhos estão sofrendo. Hoje, estamos vivendo com a ajuda da família. Eles destruíram a minha vida e agora só a quero de volta”.

“Hoje sou educadora física apenas no diploma porque na vida, acabou”

A história de Estefânia Melo se cruza com a de outras jovens que ela conheceu na unidade hospitalar. Como é o caso da educadora física, Surhama Jayara Guedes da Silva Lins, de 26 anos, que também alega ser vítima de descaso. Há 11 anos ela convive com a endometriose e, em sete anos, ela foi submetida à seis cirurgias realizadas por médicos não especialistas. Ela relata, emocionada, que são anos de dor e sofrimento, sem que o problema tenha sido resolvido.

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Advogado Marcelo Ferro recebe as clientes para conversar sobre os casos

“Um dos médicos chegou a dizer que eu tinha que conviver com as dores e perguntou se eu queria ficar “oca” com a retirada do reto e bexiga. O descaso maior foi em outubro do ano passado, na unidade Recife. Lá, fiz todo pré-operatório e fui anestesiada. Quando acordei descobri que não tinha passado pela cirurgia porque o aparelho usado no procedimento estava em outra cirurgia. Então marcaram para cinco dias depois. Fiz a extração dos ovários e em exames posteriores disseram que os ovários não tinha sido retirados. É um descaso total”, relatou.

Atualmente, a jovem sofre de hidronefrose no rim esquerdo (distensão e dilatação da pelve renal) causado por um nódulo de endometriose entre a bexiga e a ureter. Além disso,  Surhama Jayara convive com fortes dores e um cateter duplo J. “Hoje eu sinto dificuldade para urinar. Também tomo morfina todos os dias no hospital. O cateter tem prazo de validade e eles não falam nada para retirá-lo. Estou agora com infecção e passaram uns sachês que custam duzentos e cinquenta Reais. Não tenho condições financeiras, pois tive que largar o emprego por causa da situação. Hoje sou educadora física apenas no diploma porque na vida, acabou”.

Surhama Jayara conta ainda que, em meio a idas e vindas aos hospitais, conseguiu engravidar e hoje tem uma menina de 4 anos. Contudo, se ressente de não dar a atenção que a filha merece. “Por conta da minha situação, só peguei minha filha no colo quando ela era recém-nascida, depois disto não pude mais. Também nunca consegui brincar de bola ou correr com ela. Isto é muito triste para uma mãe. Só estamos de pé ainda por conta da nossa fé”, conclui.

Ações Judiciais

A situação das jovens chegou ao Ministério Público Estadual. Elas ingressaram com uma notícia de fato e uma audiência foi marcada para o próximo dia 23, às 10 horas. O caso está sendo acompanhado pelo promotor de justiça Max Martins. Para o advogado, Marcelo Ferro, que representa Estefânia e Surhama, o plano de saúde não tem dado o suporte correto às pacientes. “A situação é de calamidade em termo de saúde”, denuncia.

Marcelo Ferro explicou ainda que além do Ministério Público, há ações na Justiça a fim de que os danos sejam reparados às pacientes. “A ação da Surhama teve uma audiência, sem conciliação, e agora vamos para a segunda audiência. Já com relação a Estefânia, fizemos um acordo na primeira ação e agora ingressamos com outra porque teve a lesão na bexiga. Eles dizem que não possuem especialista e de repente aparece um. Disseram agora que tem uma pessoa que faz o implante de Estefânia. Ela procurou saber e é um neurologista que vai ajudar o urologista a fazer este implante. Se fosse a primeira vez, eu não confiava, imagine a sexta vez. Ela não foi cinco vezes a uma consulta, foram cinco vezes que foi aberta para fazer procedimento”.

O Alagoas 24 Horas entrou em contato com a assessoria do plano de saúde, que informou que está realizando levantamento sobre os casos para então se posicionar sobre as questões citadas.

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