Carta para Pedro (escrita do Chile)

Filho, como havíamos conversado, passar uns dias de férias no Chile não fazia parte da minha lista de desejos para agora, afinal estivemos há pouco tempo atrás juntos nessa aventura, mas a proposta me pareceu irrecusável: boas companhias, conhecer um pouco do deserto do Atacama e ir as outras casas de Neruda, as que não tivemos oportunidade de visitar.

E eis que aqui estou e muito feliz, portanto, me deixe contar as novidades, acho que assim divido com você um pouco dos encantos que estou experimentando.

Fomos primeiro para “La Chascona”, nome dado à casa que o poeta viveu com Matilde, a esposa que estava ao seu lado na hora da morte e depois a “La Sebastiana”, casa de Valparaiso com o mar a frente para comandar a vida em terra firme, assim realizei um sonho a mais.

Essas visitas fizemos com os audioguias que você tanto gosta. Além da casa, do significado daqueles espaços “entulhados”, próprio de um “coisista”, tive oportunidade de assistir em cada uma das visitas a apresentação de um vídeo resumido da vida e da importância dele como cidadão e como artista.

A historia contou que dentre as ocupações que teve, além de poeta, uma outra se destacou na sua biografia, a sua atuação como diplomata, e lembrei que Sebastião Salgado e Vinícius de Morais também foram diplomatas. Me chamou atenção a grande transformação no perfil do que foi e do que se tem atualmente no exercício da arte de estabelecer relações entre diferentes estados.

Por toda vida fui uma apaixonada por diplomacia, sempre compreendi que a ação civilizada e pacífica de se relacionar com diferentes grupos, nações ou sociedades é uma das grandes diferenças entre o Homo sapiens e os trogloditas.

Fomos assistir uma ópera… (A Força de um Destino), Pedro, é algo inenarrável, lembrei da mamãe… A orquestra se dividia entre a metade de instrumentos de corda e outra metade de instrumentos de sopro. Tenho certeza que cada um deles se considera importante para a execução da música que ocupava todo o espaço, inclusive o da alma, mas havia respeito aos diferentes sons e ao tempo de cada um.

Se na vida estivéssemos mais dispostos a contemplar a arte, talvez tivéssemos construindo um mundo melhor. Essa necessidade de fazer prevalecer o “EU” a qualquer custo diminui muito o usufruto da riqueza da diversidade.

O ponto alto dessa aventura foi a ida ao Atacama, lá Pedro, tudo me fez lamentar a passagem do tempo, fosse você mais novo eu o teria carregado comigo a sua revelia. Brincadeira a parte, esse é o tipo do turismo melhor para quem tem a sua idade.

A cidade é quase toda da cor de tijolo, do chão batido, as edificações e mais parece cidade cenográfica, chega a ter paredes construídas com barro e palha, muito semelhante às casas de taipa do nosso sertão, a vegetação também é parecida, rasteira e com cactos, mas não tem a nossa miséria, pelo contrário, fizeram do limão uma limonada. Transformaram a terra árida em um destino turístico badalado.

Tudo aqui ē deslumbrante, o géiser me encantou por sua causa, afinal eu havia aprendido sobre eles com as suas tarefas de escola e ver aquela água quente brotando da terra que se mexe aos nossos pés como se tivesse vísceras, me impressionou muito. Numa altitude de 4.300 metros é difícil respirar.

O deserto tem paisagens lindas, montanhas rasgadas por terremoto, as cordilheiras com seus picos cheios de neve parecendo bolo confeitado, vulcões sem o tampo como se tivessem sido arrancados com um sabre, paisagens que parecem solo lunar, lagoas com água tão salgada que não é possível afundar (e como você me conhece sabe que não mergulhei nela).

Como não podia deixar de ser entrei em igrejas, mas seguindo sua orientação, não incomodei muito aos Santos, sou grata pelo muito que tenho. Aqui tem uma coisa interessante, na rota do deserto vemos com frequência um entulhado de pedras que foram arrumadas como um altar para oferendas, daí eu fiz também um pequeno montinho para registar meus desejos.

O céu de tão limpo permite que vejamos as estrelas e a lua mais nitidamente e tivemos a chance de assistir simultaneamente o sol se pondo de um lado e a lua nascendo do outro, impressiona pelo beleza. No Atacama tem um dos mais respeitados observatórios para ver o espaço, mas esse passeio não fizemos, tenho os pés muito fincados no chão, você que enxerga solução em algoritmos terá que fazer por sua conta, se deseja saber como é.

Seria de uma arrogância soberba se achasse que ter ido ao Chile por pouco mais de uma semana eu já o conhecia e como para cada fase da vida muda o olhar, eu agora olhei com inveja o fato de ser um país com poucos obesos, admirei a coragem de controlar de forma severa o consumo de bebida alcoólica, inclusive em São Pedro do Atacama quase não se encontra disponível, que são cuidadosos com lixo e evitam o plástico, mas em compensação fumam bem mais que a gente no Brasil e os cachorros continuam os “donos do mundo”, de boa, por todo lugar.

Fomos em alguns cantos que eu já havia ido com você, fomos para muitos outros desconhecidos, aprendi novos cardápios, ouvi e vi mais um pouco dos costumes para concluir que eles são eles e nós somos nós, e cada vez mais me convenço que o respeito às diferenças é um excelente aprendizado, por isso é tão bom viajar, para enxergar além da nossa janela.

Viajo por um pouco mais de informação e para exercitar o espírito, mas a volta para casa é sempre o melhor da programação e voltaria mais tranquila se não precisasse temer pela nova ordem diplomática, preferiria ter um poeta como negociador.

PS Pedro, eu fiz turismo em Farmácia, em supermercado, quase chamei alguém pra ensinar a usar o banheiro e agora tem aplicativo no telefone para conversão de moeda.

 

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