Abrigo sigiloso no Rio é destino de mulheres que temem morrer vítimas de violência doméstica

Casa Viva Mulher Cora Coralina, itinerante e com endereço secreto, recebe mulheres em risco iminente de morte.

Marcos Serra Lima/G1

Dia da Mulher- vítima precisa deixar a vida para trás e fica reclusa para evitar novas agressões do marido

Uma casa e uma vida deixadas pra trás, muitas vezes só com a roupa do corpo. Uma nova residência de endereço desconhecido. Sem celulares ou comunicação e com saídas monitoradas.

A descrição pode parecer a vida de uma pessoa fugitiva, mas se trata, na realidade, do que acontece com parte das mulheres vítimas de violência doméstica, em casos com grave iminência de morte na cidade do Rio de Janeiro.

Para receber essas mulheres vítimas, que temem morrer caso permaneçam em casa, o abrigo municipal Casa Viva Mulher Cora Coralina existe em um endereço sigiloso e itinerante no Rio. Nem mesmo a equipe de reportagem teve acesso ao local, por questões de segurança.

G1 conversou com mulheres que moram ou já passaram por este abrigo e conta, neste domingo, dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a história de quem precisou deixar a própria vida no passado para sobreviver. Todas precisam falar sem ter as identidades, rostos e vozes reveladas.

A faxineira B., de 31 anos, viveu um relacionamento de 13 com o ex-companheiro. Negra, lidou com o racismo e as agressões do ex-marido.

“Veio o primeiro filho e, desde a barriga, ele me batia, colocou as coisas do neném pra fora, quebrou carrinho. Aí veio o segundo e puxou mais a mim, eu sou negra e ele é branco dos olhos verdes. O (filho) branco já não servia, o que era da minha cor também não serviu. Ele falava que não era dele. São muitas coisas, se fosse para falar desses 13 anos, a gente não saía daqui”, lembra ela.

B. tem várias marcas pelo corpo da noite em que, depois de anos de agressão, entendeu que precisava dar um basta à situação ou iria morrer.

“Eu estava conversando em família, gesticulando, e ele queria mandar até nos meus gestos: ‘Está balançando o dedo por quê?’ e ele virou meu dedo. Fui pra casa da minha prima e quando voltei, pensando que estava tudo tranquilo, ele estava me esperando com um facão, me deu muita facada. Chamei a polícia, me levaram ao hospital. De manhã, voltei pra casa, ele estava com um facão de novo, me esfaqueou, me falou ‘some daqui’, fui para a casa do meu pai, ele foi atrás de mim, veio que nem bicho. Disse: ‘Merece morrer mesmo, foi piranhar na rua'”, relembra ela, que leva nas pernas, braços e costas as marcas da violência.

Ela foi para a delegacia pela segunda vez, e, lá, ficou sabendo da existência do abrigo. A polícia passou em sua casa, conversou com o ex-marido e pegou seus dois filhos, só com a roupa do corpo. Desde fevereiro, ela vive no abrigo sigiloso, sem contato com a vida que deixou para trás.

“Eu me sinto uma prisioneira. Como se eu tivesse cometido algum crime. Não posso fazer nada. A casa tem regras, a gente tem que seguir, mas é pro nosso bem. Mas eu me sinto presa, como se eu tivesse matado, roubado alguém. É uma mudança muito grande. Me sinto indignada, ele está solto, pode andar pra lá e pra cá. E eu?”, pergunta ela.

As regras de que B. fala incluem horário para acordar e dormir, horário para as refeições, tarefas domésticas, dias agendados para sair, sempre com a presença de educadores, entre várias outras limitações estranhas à vida adulta independente.

Um recomeço, uma transição

A psicóloga Denise Lages, que há 11 anos se dedica ao combate da violência à mulher, 8 dos quais na Casa Cora Coralina, defende a visão de que a permanência na casa é um momento transitório importante e afasta a ideia de que o abrigo seja uma espécie de cadeia.

“Nós trabalhamos em cima da mudança do olhar, de que ela não está ali presa, ela está ali para reorganizar a vida dela. Há todo um trabalho feito pela equipe multidisciplinar, para mostrar que há condições de refazer uma vida, que ela é capaz. É fundamental essa pausa para que ela se reconheça e consiga se fortalecer e entender que ela pode sair daquela situação”, diz.

O tempo médio de permanência é de quatro meses, mas não há regras. Algumas ficam muito mais, outras bem menos.

Fonte: G1

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