Quando o coronavírus vai atingir o pico no Brasil? Entenda o cenário

O Hospital de Campanha H.M Camp, no Pacaembu, será uma unidade de portas fechadas para pacientes transferidos da rede municipal da saúde — Foto: TV Globo/Divulgação

Com mais de 1 milhão de casos de Covid-19 ao redor do mundo, as perguntas sobre quando a doença atingirá seu pico no Brasil se tornam cada vez mais comuns. Com mais de 9 mil casos confirmados da infecção até sexta-feira (3), o que os especialistas dizem sobre o cenário futurno no país? Além disso, é possível dizer que alguns países já passaram pelo pior? Pode haver uma nova onda de casos na China? O isolamento pode influenciar o ritmo e o pico da pandemia?

Entenda, abaixo, o que se sabe até agora sobre essas e outras perguntas:

Quando a doença atingirá o pico no Brasil?

Segundo previsão feita pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a infecção pela doença deve disparar neste mês e continuar crescendo até junho, quando essa curva deve começar a desacelerar. O secretário-executivo da pasta, João Gabbardo, também previu que o país terá “dias difíceis” em abril.

Mas determinar de forma exata quando a pandemia atingirá o ápice no país não é tão fácil, afirmam especialistas ouvidos pelo G1. Isso ocorre por vários fatores.

Um deles é a demora para os resultados dos testes. Só o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, tem 16 mil amostras na fila de análise para Covid.

“Na hora que o exame é colocado na linha do tempo, ele precisa ser colocado na data que foi coletado”, explica o epidemiologista Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da USP. Caso contrário, explica o professor, pode se ter a falsa impressão de que um grande número de casos novos ocorreu em um dia quando, na verdade, os resultados se referem a exames que estavam aguardando há mais tempo, 10 ou 15 dias, na fila.

Essa demora nos testes faz com que a “decolagem” dos números ainda não tenha sido percebida, explica o físico Vitor Sudbrack, do Instituto de Física Teórica da Unesp, apesar de o Brasil viver, hoje, a fase de crescimento exponencial da Covid-19, representado pelo crescimento vertiginoso do número de novos casos de infecção.

E os testes não são os únicos que demoram: as notificações de óbitos por Covid-19 e de internações também estão levando tempo para serem computadas. Dados da Fiocruz divulgados na quarta (1º) apontaram uma queda no ritmo de crescimento de internações por problemas respiratórios no Brasil. Mas o cientista Marcelo Gomes, que coordena a pesquisa da fundação, explica que, pela demora em colocar essas informações nos bancos de dados ao redor do país, só se poderá ter uma melhor noção dessa queda na semana que vem.

Existe, ainda, um terceiro ponto: as regiões brasileiras enfrentarão os picos da doença em momentos diferentes. Primeiro, explica Paulo Lotufo, serão São Paulo e Rio de Janeiro, que registraram os primeiros casos e têm maior número de infecções.

Depois, segundo relatório divulgado pela Fiocruz em de março, correm risco os centros urbanos de Brasília, Recife, Salvador, e, então, a região litorânea entre Porto Alegre e Salvador e várias microrregiões de Paraíba, Ceará e Pernambuco. Outras áreas com risco alto são as microrregiões no entorno de Cuiabá, Goiânia e Foz do Iguaçu, no Paraná, de acordo com o relatório.

“Isso se não acontecer uma imensa bobagem, que é: São Paulo se resolve, por exemplo, e aí você abre as fronteiras [para outros estados] – todo mundo pode vir para cá”, ressalva Lotufo. “Isso aconteceu na China, Hong Kong, outros lugares. Aí você volta com os infectados”, diz o epidemiologista, que prefere não fazer previsões para um pico da pandemia no Brasil.

“Tem um monte de gente que fala com muita certeza quando vai ser o pico. Eu não ouso falar, até porque não é um experimento natural, observacional – muito pelo contrário: está sendo feita uma baita intervenção, com o isolamento. Há um paradoxo: quanto mais efetiva for a nossa ação, nós vamos tender a prolongar um pouco mais – esse pico vai demorar mais”, explica Lotufo.

Mas, alerta Lotufo, se as medidas tiverem efeito, esse pico pode nem chegar a existir. “Talvez não tenha um pico, tenha um platô – aquela coisa que vai achatando e depois caindo, não vai ter uma espícula”, pondera o epidemiologista.

As medidas de isolamento vão atrasar o pico da pandemia no Brasil?

Os especialistas ouvidos pelo G1 foram unânimes em dizer que as medidas de isolamento social podem interferir na disseminação do vírus no país. E esse efeito pode significar duas coisas:

  • que o pico da pandemia no país pode ser adiado, dando mais tempo ao sistema de saúde para se preparar e atender mais pessoas;
  • que esse pico pode não ser tão alto quanto seria se as medidas de isolamento fossem suspensas e as atividades no país fossem retomadas normalmente.

“Acho que [o isolamento] já é consenso de toda a comunidade científica – acho que quem está discordando disso é quem não está enxergando e olhando para todas as variáveis”, pondera Diógenes Justo, matemático e mestre em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor na Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), em São Paulo.

O professor é parte de uma equipe de pesquisadores voluntários, de várias universidades e empresas no Brasil e no exterior, que criou um monitoramento para tentar prever quando será o colapso do sistema de saúde de São Paulo, levando em conta as medidas de isolamento e os leitos de UTI disponíveis na cidade.

Eles montaram quatro possíveis cenários:

  • no primeiro, com nenhuma intervenção para isolamento, o sistema de saúde entraria em colapso no dia 23 de abril;
  • no segundo, com redução de 25% do contato social, o colapso seria em 1º de maio;
  • no terceiro, com redução do contato social à metade, o colapso seria adiado para 17 de maio;
  • no quarto, com redução de 65% do contato social, o colapso só ocorreria em 17 de junho.

Os especialistas escolheram estudar a capital paulista por ser a que tem maior número de casos e a maior quantidade de dados, mas também pretendem estender o monitoramento para outras capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, Porto Alegre e Fortaleza.

“Se a gente empurrar [o pico da pandemia] para a frente, não estamos dizendo que vão ser os mesmos infectados, só que ao longo do tempo. A gente está falando, também, que, [se as medidas de isolamento forem suspensas], vai ter um número maior de infectados”, explica Justo.

Nos cenários avaliados pelos pesquisadores, mesmo com o número maior de leitos anunciados pelo governo, o sistema de saúde em São Paulo não conseguiria acompanhar a velocidade de novas infecções. Os especialistas destacam que as previsões vão mudando conforme as novas medidas adotadas e elas não indicam que o isolamento deve ser suspenso.

“Não é um argumento para a imunidade de rebanho – primeiro, porque a gente vai ter um colapso muito mais cedo. Tendo um colapso muito mais cedo, não teve nem a chance de acionar mais mil, 2 mil leitos que sejam. A gente está falando de mil, duas mil vidas”, lembra Justo.

A chamada “imunidade de rebanho” é a proteção indireta de uma doença infectocontagiosa que ocorre quando uma população se torna imune a uma doença ou por vacinação ou por já ter sido contaminada com ela. Uma vez que ela tenha sido estabelecida por um tempo, a capacidade da doença de se espalhar é diminuída.

“Se a gente deixa tudo liberado, deixa infectar e fazemos essa imunidade de rebanho, o colapso vai ser muito maior e o sistema vai demorar muito mais tempo para se reerguer. A questão do colapso é qual o grau desse colapso”, explica João Vissoci, que também integra a equipe do monitoramento e é Ph.D. em Psicologia Social pela PUC-SP e professor na Universidade Duke, nos Estados Unidos.

“O nosso cenário tenta chegar a 65% de controle da transmissão – mas pode haver um cenário maior, com mais restrição, e que potencialmente diminua isso. Se a gente achata isso, dá fôlego pro sistema, o tamanho desse colapso e o tamanho do problema podem ser muito menores, e [podemos] dar mais habilidade para o sistema de se reaver”, avalia Vissoci.

Ele também lembra que outras partes do Brasil podem ter cenários completamente diferentes dos de São Paulo.

“Existe uma chance de o Brasil não colapsar tanto assim se aprender com o que está acontecendo fora do país, se levar em consideração esses monitoramentos e tentar diminuir o impacto que isso vai ter a longo prazo. Daqui a pouco, outras partes do país podem tentar absorver o impacto do que está acontecendo em São Paulo – mas só se tiver um certo movimento do país enquanto entidade, e não simplesmente ações individuais”, pondera Vissoci.

Mas, lembra Paulo Lotufo, da USP, ainda há um outro fator em jogo: a proporção de leitos de UTI nos setores público e privado e a quantidade de pessoas que têm ou não planos de saúde variam ao redor do país.

“A proporção de leitos do SUS é maior em São Paulo, a população com plano de saúde é maior. Em outros lugares, é uma desproporção muito grande. Vai ser mais uma briga”, prevê Lotufo.

Mostrando essa disparidade regional, levantamento feito pelo G1 constatou que, em 861 cidades brasileiras, há apenas um ventilador mecânico disponível. Cinco capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Recife – concentram 26% dos respiradores do Brasil. Já em outros lugares, como o Amapá, a quantidade de habitantes por respirador passa dos 9 mil.

Fonte: G1

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