Enem abre inscrições com 6,6 milhões de estudantes sem acesso à internet

Vídeo do Inep sobre manutenção das datas do Enem em plena pandemia da Covid-19 causa reação em estudantes no Twitter Foto: Reprodução

Apesar da pressão de estudantes e universidades pelo adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por conta da pandemia da Covid-19, as inscrições da prova serão abertas nesta segunda-feira. Os candidatos poderão se inscrever até o dia 22 de maio no portal do participante, no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). No contexto da pandemia, um levantamento exclusivo do GLOBO aponta que 6,6 milhões de estudantes não tem acesso à internet — a maioria deles na rede pública.

Pela primeira vez desde a criação do exame, o Enem oferecerá duas modalidades: uma presencial e outra digital, com adesão opcional, que contemplará 100 mil candidatos. As provas presenciais ocorrerão em 1 e 8 de novembro. A prova virtual, por sua vez, será aplicada nos dias 22 e 29 de novembro.

A taxa de inscrição para o exame é de R$ 85. Estão isentos do pagamento estudantes concluintes em uma escola de rede pública ou que tenham cursado todo o ensino médio em uma escola pública ou candidatos de famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal, ou seja, que tenham uma renda per capita familiar de até meio salário mínimo ou renda mensal familiar de até três salários.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, defende a manutenção da prova presencial na data prevista. No entanto, boa parte das instituições do país interromperam suas atividades no primeiro semestre letivo, seja de forma parcial ou integral, por conta da disseminação da Covid-19 no Brasil. Embora algumas escolas tenham aderido à modalidade do ensino a distância, a ferramenta não é acessível por muitos estudantes brasileiros.

Universidades pedem adiamento

Além disso, as universidades também paralisaram suas atividades indefinidamente. Na última sexta-feira, dez universidades públicas do Rio assinaram um documento pedindo o adiamento do Enem. Entre elas, a UFRJ, maior instituição de ensino superior federal do país.

Em uma carta, os reitores das dez instituições se mostraram contra “qualquer tentativa de difundir uma sensação de normalidade falseada, como a manutenção do cronograma do Enem 2020, o qual, caso mantido, ampliará as desigualdades de acesso ao ensino superior”.

O MEC lançou uma campanha nacional defendendo a manutenção do exame. Na peça publicitária, a pasta defende que “a vida não pode parar”. Weintraub, no entanto, não apresentou medidas para assegurar a isonomia do processo, a despeito das desigualdades na educação brasileira.

— Isso que tem que paralisar tudo é bobagem. O Brasil não pode parar, não vai parar — declarou o ministro na semana passada.

Alunos vivem drama

A agonia de Luara Santos, de 18 anos, está aumentando. Até o dia 23 de abril, ela acompanhou como pôde as aulas remotas. Desde então, um problema na operadora de celular a deixou sem acesso à internet. Por isso, há mais de três semanas que ela não estuda. E no fim do ano tem Enem, cujas inscrições começam nesta segunda-feira.

— Só recebemos atividades, não há aulas. Surgem muitas dúvidas que não são esclarecidas. Nem mesmo professores sabem como funciona a plataforma. É quase impossível conseguimos aprender dessa forma — diz a moradora do Catumbi, Zona Norte do Rio, que estuda Colégio Estadual Júlia Kubitschek. — Com certeza vou ser prejudicada no Enem.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, argumenta que ficou difícil para todo mundo e que desigualdades educacionais já existiam. Por isso, decidiu manter as datas da prova, marcadas para 1 e 8 de novembro na versão impressa e 22 e 29 de novembro no formato digital — que será aplicado pela primeira vez em 2020.

Especialistas em educação, no entanto, contestam a lógica do titular do MEC. Argumentam que as já existentes desigualdades educacionais se aprofundam quando as aulas deixam de ser ministradas presencialmente para serem realizadas de forma remota. A diferença do acesso é o primeiro e mais grave problema do novo modelo.

De acordo com a pesquisadora Thaís Barcellos, da consultoria IDados, 17% dos alunos de escolas públicas (cerca de 6,5 milhões de estudantes) não têm acesso à internet. Na rede privada, apenas 1,7% das crianças e adolescentes matriculadas (155 mil) não possuem conectividade. Os dados são da Pnad 2019.

As diferenças se aprofundam ainda mais analisando os dados por estado, estudo realizado por Thaís Barcellos a pedido de O GLOBO. Usando ainda a Pnad 2019, ela descobriu que a rede pública no Maranhão tem apenas 62,4% dos alunos com acesso à internet. É o pior estado brasileiro. Dos que estão conectados, praticamente todos (99,7%) são pelo celular e apenas 12% pelo computador.

No Rio e São Paulo, a desigualdade diminui um pouco, mas parte significativa dos alunos ainda são prejudicados. São 9,3% do total da rede pública fluminense e 7,3% na paulista sem acesso à internet — contra, respectivamente em cada estado, 2,1% e 0,4% da rede privada.

Por conta disso, a lista de instituições que pedem o adiamento do exame é longa. Entre elas, estão o Conselho Nacional de Educação (CNE), Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), a Associação Brasileira de Avaliações Educacionais (Abave), a União Nacional dos Estudantes (Une), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Associação Nacional dos Pesquisadores da Educação e universidades, como a UFRJ, maior federal do país.

— Enquanto a maior parte dos alunos das escolas privadas tem tido aulas remotas, que são precárias, mas com mais condições, os da pública estão isolados das condições de estudo — aponta Maria Beatriz Luce, ex-membro do CNE e diretora da Associação Nacional de Pesquisadores da Educação, que também apoia o adiamento do Enem.

A abstração dos números é encarada de frente no mundo real pelos pré-vestibulares comunitários que, especialmente nas comunidades, têm encarado dificuldades muito superiores às que estão acostumados. Em geral, os alunos desses cursos lidam com problemas como má alimentação dos estudantes, dificuldades de locomoção e evasão por conta de trabalho. Agora, chegar até os interessados já é um desafio.

— Só tivemos uma aula presencial, com 35 alunos. Desses, 15 não conseguimos contato virtual porque não têm celular. Dos 20 que sobraram, muitos não estão conseguindo acompanhar porque ficaram doentes, inclusive com coronavírus, ou não têm um lugar para estudar com silêncio em casa — conta Bianca Peçanha, de 21 anos, coordenadora do Núcleo Independente Comunitário de Aprendizagem (Nica), que atua no Jacarezinho.

O Unifavelas — pré-vestibular que, em 2018, aprovou 15 dos 15 alunos — fechou a laje da Maré onde eram dadas as aulas por conta da pandemia. Migrou os conteúdos para diferentes estratégias, como aulas online e envio de materiais por WhatsApp. No entanto, não conseguem atingir a todos os atuais 61 alunos.

— Mediante o material que os alunos têm em casa, nós planejamos um mapa de leitura desses livros, sempre amparados pelo nosso corpo de educadores voluntários. E estamos planejando a distribuição do material físico, respeitando os limites de segurança de saúde desses estudantes — conta Marcos Antônio da Silveira Borges, de 30 anos, um dos coordenadores do Unifavelas. — Mesmo os que têm equipamentos, como celulares e internet, a conexão, em geral, é ruim. Vídeos e textos que precisam ser baixados, por exemplo, são poucos que conseguem ter acesso.

Fonte: Extra

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