Adiar eleição é medida complexa e pode dificultar fiscalização, diz especialista

Fábio Pozzebom / Agência Brasil

As Olimpíadas de Tóquio já foram adiadas, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também. A bola da vez nos adiamentos decorrentes da pandemia do novo coronavírus são as eleições municipais de 2020, previstas para acontecer em dois turnos, nos dias 4 e 25 de outubro.

O tema está na mesa do novo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Luís Roberto Barroso, e deve ter uma decisão até o fim de junho. Especialistas em Direito Eleitoral, no entanto, argumentam que a discussão vai além de uma mera definição de data.

Silvana Batini, professora da FGV Direito Rio e procuradora regional eleitoral, explica que o calendário eleitoral é definido por uma série de prazos e normas que são colocados de forma encaixada para alcançar dois objetivos:

  • 1. Ter candidatos eleitos e diplomados ao término dos mandatos em vigor.
  • 2. Permitir que as campanhas sejam fiscalizadas por períodos que não sejam nem tão curtos que ninguém possa contestar os ganhadores, nem tão longos que transformem a Justiça em uma espécie de “terceiro turno”.

Pelo regulamento, com boa parte das eleições nos municípios menores se encerrando no primeiro turno e as demais no máximo no final de outubro, são colocados nos limites os prazos de 30 dias para os candidatos terminarem de prestar contas e outros 15 dias para que o Ministério Público e os adversários possam analisar o que foi informado e eventualmente questionar. “Os prazos da Justiça Eleitoral são muito restritos. A alteração da data terá que ser acompanhada de mudanças legislativas que garantam que essa fiscalização possa ser feita”, afirma Batini à CNN.

A falta de prazo já é uma reclamação antiga no direito eleitoral, que fica agravada conforme novas preocupações entram na lista do “checklist” da regularidade de uma campanha. Diferentemente de quatro anos atrás, o pleito de 2020 será financiado com um fundo eleitoral de mais de R$ 2 bilhões, o que já aconteceu há dois anos. O último pleito também acendeu o alerta para as candidaturas “laranjas”, geralmente mulheres inscritas para falsear o cumprimento da cota existente, e para os possíveis desvios no ambiente digital, como fake news e impulsionamentos irregulares.

A possibilidade de adiar as eleições será discutida por um grupo formado por Barroso e pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Caso nada se altere na legislação, os 15 dias ficam em pé, mas correm o risco de coincidir com o período de recesso do Poder Judiciário, caso não seja alterado.

Precedente

Portanto, avalia a procuradora, há o risco de termos uma campanha mais cara, mais complexa e mais difícil de fiscalizar. “Estamos mais do que na hora de rever a legislação eleitoral, para que ela fique um pouco mais realista. Eram prazos e processos a partir de uma campanha eleitoral, que era muito simples, com campanha na rua, TV e rádio. Agora, se sofisticou”, disse.

Completa o cenário um precedente adotado pelo TSE em 2017, quando a Corte absolveu a chapa Dilma-Temer. Àquela altura, o Tribunal decidiu, por 4 votos a 3, que Ações de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime) só poderiam serem julgadas com base no que foi alegado na etapa inicial do processo.

Explicamos: Em dezembro de 2014, a campanha de Aécio Neves (PSDB) questionou a reeleição de Dilma Rousseff (PT) com base em alegações das primeiras etapas da Operação Lava Jato. Ao analisar a procedência do pedido, o TSE chegou a ouvir depoimentos de delatores da operação, mas considerou ao final que não poderia julgar fatos além do que aqueles que Aécio alegou. Como os pontos listados na chamada “inicial” não foram considerados suficientes, a ação foi rejeitada.

Este princípio pode mudar, acompanhando a mudança na própria composição do Tribunal, mas fato é que, neste momento, este primeiro período de fiscalização ganha ainda mais importância, uma vez que as ações precisarão conter desde o princípio uma visão abrangente das acusações e não apenas os indícios iniciais. O tema deve voltar ao debate na análise de ações contra a cassação da chapa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB).

Por que se adiaria a eleição?

Há dúvidas sobre qual será a real situação da pandemia do novo coronavírus nas datas previstas para a eleição, uma vez que o pleito envolve uma série de rituais, como transporte e instalação das urnas, treinamento de mesários e o próprio contato com eleitores e a urna eletrônica.

Uma das propostas sobre a mesa trata de dividir o pleito em vários dias, mas as dificuldades técnicas de garantir a inviolabilidade das urnas e locais de votação a deixam com baixa adesão. Ainda se colocam no horizonte outras dificuldades, se considerando as outras etapas do processo, como as convenções partidárias e as campanhas em si, com suas caminhadas nas ruas, discursos para públicos aglomerados e cumprimento de eleitores.

“A Covid-19 traz traz cada dia mais preocupação a todos os brasileiros. Como vamos ter a oportunidade de aglomerar pessoas para fazer a eleição em um momento incerto?”, questiona o senador Wellington Fagundes (PL-MT), em entrevista à Rádio Senado.

Diante das dificuldades legais, Rodrigo Maia argumentou na sexta-feira (29) que a decisão deve ser tomada com base em critérios técnicos. “Para tomar uma decisão, a gente precisa estar baseado em números, em dados concretos. E para isso, a gente tem que organizar, reunir um grupo técnico para que ele possa dar os elementos para o Parlamento decidir”, disse à Rádio Bandeirantes.

Em entrevista recente à CNN, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o critério principal será a curva dos casos de Covid-19 no país. “Não trabalhar com essa possibilidade é negar a realidade, mas nós conviemos que meados de junho vai ser o momento de se bater o martelo sobre a avaliação da necessidade ou não do adiamento das eleições”, disse.

Tanto Barroso quanto a Procuradoria-Geral da República (PGR), no entanto, se opõem de forma intensa à possibilidade de prorrogar os mandatos dos eleitos em 2016. “Inviável dentro de tal modelo, portanto, defender a prorrogação de mandatos, seja por qual tempo for, ainda que diante de uma situação extrema com a pandemia que ora se apresenta”, argumentou, em ofício ao TSE, o vice-procurador-geral eleitoral Renato Brill de Góes. Os atuais prefeitos e vereadores possuem mandato até o final deste ano.

O que mais falta saber?

Para além da fiscalização e combate aos crimes eleitorais, há outras questões pendentes, que precisarão ser respondidas caso a eleição seja adiada.

Segundo a professora Silvana Batini, uma delas é o prazo de desincompatibilização. Por exemplo, caso ocupantes de cargos públicos queiram concorrer, precisam deixar o cargo até seis meses antes do pleito. O Congresso e o TSE precisarão responder se a eleição for adiada, se o prazo será reaberto ou não.

Do contrário, a procuradora acredita que pessoas que não conseguiram se desincompatibilizar à tempo devem ingressar com contestações na Justiça, tornando ainda mais embolado o processo eleitoral deste ano.

Outra resposta a ser dada é o período de campanha. As normas em vigor colocam o prazo de 45 dias para que os candidatos possam fazer abertamente pedidos de voto, a partir da segunda quinzena de agosto. A procuradora argumenta que as novas legislações precisarão dizer se a campanha começa mais tarde ou se os candidatos poderão pedir voto por mais tempo.

Fonte: CNN Brasil

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