Alunos contam com ‘delivery de tarefas’ para suprir acesso precário à internet

Pedro, aluno da escola Madre Teresa, faz a atividade no papel diante de um computador que não funciona — Foto: Danilo Sardinha/G1

A pouco mais de 20 quilômetros do Centro de São José dos Campos, uma caminhonete branca vai levantando poeira pelas ruas de terra do Jaguari, bairro com características rurais na zona norte da cidade. O veículo vai parando em diversas casas para entregar atividades aos alunos da escola Madre Teresa. Como ali o estudo online é difícil para muitas famílias, é assim que a educação tem chegado enquanto as escolas estão fechadas por causa da pandemia do coronavírus.

Com oito anos e no segundo ano do ensino fundamental, Pedro é um dos que aguardam a passagem da caminhonete para receber as atividades. Ao receber a “encomenda”, vai para um cômodo da casa e senta no banco de madeira em frente a uma pequena mesinha. Diante de um computador que não funciona, vai fazendo as tarefas no papel.

“Quero ser professor, ensinar as outras crianças”, diz o pequeno estudante.

Pedro, de oito anos, está no segundo ano do ensino fundamental — Foto: Danilo Sardinha/G1Pedro, de oito anos, está no segundo ano do ensino fundamental — Foto: Danilo Sardinha/G1

‘Delivery de tarefas’

A escola Madre Teresa, no bairro Jaguari, é comandada por uma entidade filantrópica e atende gratuitamente cerca de 100 crianças entre o ensino infantil e o quinto ano do ensino fundamental. A auxiliar de limpeza Márcia Oliveira e a secretária Maiara de Almeida são quem realizam as entregas. A caminhonete e o motorista são da Prefeitura de São José dos Campos.

O percurso pelas ruas de terra, cheio de morros e com gados à beira das ruas, é longo. Leva cerca de três horas para ser concluído. Como muitos alunos moram longe da escola e seria difícil eles irem buscar as atividades, a escola começou a levar os materiais uma vez por semana de casa em casa. O G1 acompanhou a última entrega realizada.

Caminho percorrido para chegar a casa dos alunos — Foto: Danilo Sardinha/G1Caminho percorrido para chegar a casa dos alunos — Foto: Danilo Sardinha/G1

Muitos pais e alunos ficam esperando a passagem da caminhonete em frente à porteira ou portão de casa. Ao receberem o kit, que vem com as atividades e alguns doces, as crianças abrem sorrisos. Elas destacam que sentem saudade da escola, e os pais reconhecem a importância da iniciativa de receber a atividade em casa. Mas ressaltam a falta das aulas presenciais.

“É ruim eles não estarem tendo a aprendizagem que era para ter. Mas, por outro lado, ficam mais tempo em casa com a mãe. Eles ficam perguntando quando vão começar as aulas, querem ver a professora de novo. Tento ajudar aqui em casa, fazendo algumas tabuadas, fazendo o que dá. Essas atividades que a escola traz ajudam”, disse Ângela Maria Graça dos Santos, que tem três filhos e mora em uma casa sem acesso à internet.

Angela e os filhos — Foto: Danilo Sardinha/G1Angela e os filhos — Foto: Danilo Sardinha/G1

Maria Alice, mãe de Melissa, de seis anos, exemplifica a vontade que a filha tem de estudar com o fato dela querer fazer a mesma atividade mais de uma vez.

“Ela fala: ‘Ai, mãe. Vamos fazer de novo’. Ela gosta muito dessas atividades que chegam e briga comigo para ensinar ela [risos]. Lá na escola, eles têm mais jeito de aprender. O professor tem mais jeito para ensinar. Aqui, não. A gente não tem aquele jeito que a professora ensina, explica. Vamos fazendo do jeito que a gente sabe. Está difícil, mas a gente vai lidando. Tenho fé em Deus que vai passar tudo isso”, comentou.

Melissa, aluna da escola Madre Teresa, do Jaguari — Foto: Danilo Sardinha/G1Melissa, aluna da escola Madre Teresa, do Jaguari — Foto: Danilo Sardinha/G1

A escola

Quando a escola teve que interromper as aulas, em 18 de março, as férias foram antecipadas. No fim do recesso, em maio, os funcionários se reuniram para discutir como educariam sem os alunos nas salas de aula. Foi então que decidiram fazer as entregas, já que os alunos teriam dificuldades para ter ensino por plataformas digitais ou até mesmo irem buscar as atividades.

A escola orientou os pais para tentarem, na medida do possível, reservarem um espaço para a criança estudar em casa. Também entregou materiais escolares. As professoras preparam as atividades, e as funcionárias Márcia e Maiara vão entregar. Para realizar as entregas, elas utilizam máscaras, protetor facial e luvas.

“Temos feito as atividades para que a própria criança consiga realizar. A gente sabe no dia a dia, mesmo fora da pandemia, que elas não têm esse apoio. Há pais que são analfabetos e não sabem explicar. As atividades que mandamos é dentro do que a criança consegue fazer. Estamos fazendo o possível para minimizar os impactos desse período”, afirmou a diretora Lúcia Tôrres.

A escola Madre Teresa existe há 61 anos e, desde 2015, é controlada pela Acemt, uma entidade filantrópica. A escola sobrevive com doações de pessoas físicas e empresas. O material didático é doado por uma empresa dona de um sistema de ensino que atende escolas particulares.

A Prefeitura de São José dos Campos ajuda com os alimentos para a merenda e com as vans de transporte das crianças. A escola fica sob a supervisão da Diretoria de Ensino do Estado de São Paulo.

São 15 funcionários e mais alguns voluntários que trabalham na escola. Nesta pandemia do coronavírus, as dificuldades para manter o local aumentaram.

“Nós sobrevivemos de doações. E as doações diminuíram bastante nesta época. Com o desemprego aumentando, a primeira coisa que as pessoas cortam são as doações. Estamos nos esforçando para manter nosso trabalho”, disse a voluntária Donaide Bitencourt, que faz parte do grupo que fundou a Acemt.

Panorama da educação em área rural

Segundo o Censo Escolar de 2019, do Ministério da Educação, São José dos Campos tem 392 escolas ativas, sendo 180 privadas, 127 municipais, 83 estaduais e duas federais. Desse total, sete que estão em funcionamento são classificadas pelo Censo como rurais. A escola Madre Teresa é uma delas.

A Prefeitura de São José dos Campos informou que a rede municipal de ensino tem aproximadamente 70 mil alunos, entre zona urbana e rural, sendo 32 mil da educação infantil e 38 mil do fundamental. Duas escolas do Bairro dos Freitas, classificadas como rurais, são orientadas pela equipe da coordenadoria pedagógica da Secretaria de Educação e Cidadania. O NEI Bairro dos Freitas tem 61 alunos, enquanto CECOI Mãe Mariquinha tem 197 alunos. Na escola municipal de São Francisco Xavier, 85% dos alunos matriculados moram na zona rural do distrito.

De acordo com a administração municipal, nesta pandemia as atividades para os alunos de toda rede municipal estão em plataformas digitais. Os estudantes com dificuldade para acessar por esse meio, podem retirar o material impresso na escola. No caso dos alunos de São Francisco Xavier, dois carros levam as atividades na casa de cerca 350 estudantes. A prefeitura ainda afirma que mantém a distribuição de merenda para todos os alunos da rede municipal neste período de pandemia.

Crianças que estudam na escola Madre Teresa, em São José dos Campos — Foto: Danilo Sardinha/G1Crianças que estudam na escola Madre Teresa, em São José dos Campos — Foto: Danilo Sardinha/G1

A Diretoria de Ensino de São José dos Campos, do Governo de São Paulo, informou que existem, ao total, 5.893 alunos da zona rural matriculados na rede estadual. No ensino médio, são 1.906 estudantes matriculados e, no fundamental, são 3.791. A Diretoria de Ensino atende três escolas desta modalidade na região, voltada aos anos iniciais.

O Estado afirma que, além da disponibilização das aulas remotas através do Centro de Mídias e canais abertos de TV, foram disponibilizados materiais impressos aos alunos da zona rural. Para aqueles que, em virtude da distância não podem retirar esses materiais na escola, foi disponibilizado transporte especifico para fazer a entrega do material na casa de cada um dos alunos.

“Aqui em casa, faço as tarefas, jogo bola lá no quintal e brinco com meu irmão. Mas estou com saudade da escola. Gosto dela”, acrescenta.

Pedro é um dos sete filhos de Silvana de Almeida Francisco. Na casa, moram dez pessoas. O garoto faz as atividades em um quarto, mas diz dormir em uma cama na sala. A família tem acesso à internet somente pelo celular.

“Meu marido é caseiro, tira leite na roça, capina. Eu não trabalho. Os filhos grandes trabalham na cidade”, conta Silvana. “Está sendo horrível esse período de pandemia. As crianças ficam sem aulas, atrapalha eles”.

Fonte: G1

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