Sapatos novos, velhas rotinas

Num daqueles dias que a quarentena pesou mais, cansada dos livros, filmes e séries da TV, resolvi navegar na internet e “enxerguei” um monte de coisas sendo oferecidas para venda, e me utilizando daquela lógica de que comprar melhora o humor, fiz uma compra.

Comprei dois pares de sapato de um fabricante que já conheço, escolhi ambos de salto alto, acreditando que olhar o mundo de cima podia ajudar em alguma coisa.

Demorou tanto para chegar, que esqueci da compra, tanto que o dia que peguei a caixa na portaria do prédio, acabou sendo uma surpresa, uma felicidade… que durou pouquíssimos minutos.

Quando fui arrumar os novos pares no armário, constatei que lá tem outros bem parecidos, cumprindo o isolamento “sapatal”.

Com essa quarentena, que já dura uma eternidade, uma das coisas que mudou na minha rotina foi a de usar apenas três pares de sapatos, que estão sendo deixados na porta de entrada, depois que piso num pano com água e água sanitária e borrifo álcool por cima.

Por que então comprar outros para se juntarem aos que já não estão sendo usados?

Isso me levou a uma reflexão, irei sair dessa pandemia diferente? Melhorarei em alguma coisa?

A compra de sapatos supérfluos mostrou que essa mudança não é garantida.

Depois desse tempo todo de uma nova rotina, fico pensando no que devo incorporar desses hábitos para o resto da vida.

Por enquanto eu criei uma viável “linha de produção Ford” para limpar e guardar a feira, passei a tomar mais banhos que antes, a lavar demasiadamente as mãos, quase não lavar o carro, usar álcool em tudo, mas quase nada disso vai seguir sendo feito quando essa confusão passar.

Tudo isso ē chatíssimo, tão chato quanto que sou disciplinada e procuro não esquecer os tantos “passos” incorporados para segurança, apesar de saber, antecipadamente, que algumas coisas eu não quero manter depois.

Sapatos na porta, limpar saquinhos de feira, colocar roupas limpa para lavar, são exemplos daquilo que logo, logo irei me livrar, sem falar que nem me passa pela cabeça permanecer isolada, quero receber meus amigos, visitar a família, abraçar as pessoas.

Na verdade, a dúvida que me azucrinou é porquê comprar sapatos? Isso me preocupou, eu já devia, diante de tanta penitência, ter conseguido superar esse impulso de comprar por comprar.

Melhor imaginar que nem tudo foi em vão e que alguma coisa será bom incorporar, a máscara é uma delas, vou imitar os orientais e colocar na rotina do novo normal, afinal quase não uso maquiagem, ela esconde o riso inoportuno, a cara de “fedor”, ou de abuso, que são visíveis, mesmo quando eu consigo me calar.

Tem também alguns hábitos de higiene que quero preservar, vou deixar de roer unhas, de colocar tanto a mão nos olhos, e menos ainda, segurar objetos, como a chave do carro, com a boca, quando preciso atuar como polvo, para carregar um monte de coisas ao mesmo tempo.

Mas isso ē muito pouco, eu queria mesmo que esse período sabático tivesse me mudado muito mais, tivesse diminuído a minha intolerância, aumentado o “saco”, melhorado a compreensão, multiplicado a capacidade de esquecer, mas isso eu não tenho tanta certeza se irei conseguir.

Um ganho eu já posso comemorar, essa imersão em mim mesma me permitiu enxergar um monte de correções que preciso implementar e para isso eu já dei o primeiro passo, comprei sapatos novos, de salto alto, para caminhar nesta direção.

Julho de 2020

 

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