Justiça manda bloquear quase R$ 2,5 bilhões de investigados por suspeita de desvios no Sistema S

Marcelo Bretas — Foto: GloboNews

O juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal do Rio, mandou bloquear quase R$ 2,5 bilhões de suspeitos de envolvimento em um esquema de tráfico de influência que desviou milhões do Sistema S — que engloba Fecomércio, Sesc e Senac.

Um dos investigados e réu é Orlando Diniz, ex-presidente dos três órgãos.

Além dele, vários advogados também viraram réus após a investigação do Ministério Público Federal, como Ana Tereza Basílio (responsável pela defesa do governador do Rio Wilson Witzel) e Cristiano Zanin e Roberto Teixeira (representantes do ex-presidente Lula). Lula e Witzel não são investigados nesta operação.

“(…) Tem-se que Orlando Diniz se utilizou, em tese, de numerário da Fecomércio e, posteriormente, com a assinatura do Termo de Cooperação Técnica, do SESC e SENAC, para pagar honorários aos escritórios de advocacia citados, livre de qualquer fiscalização dos conselhos fiscais e do TCU”, diz Bretas em um trecho da decisão.

“Ainda que assim não fosse, ao que tudo indica os escritórios de advocacia tinham, no mínimo, ciência de que os processos em que prestavam serviços tinham como partes interessadas o SESC e SENAC e, no entanto, aceitaram receber os valores e firmar os contratos em nome da Fecomércio”, contextualiza o magistrado.

E acrescenta: “E, segundo explicita o MPF, a contratação dos escritórios não obedeceu as regras de licitação exigidas pela legislação específica para a contratação de serviços advocatícios, tampouco preencheu os requisitos de dispensa de licitação”.

Alguns dos valores que Bretas mandou bloquear – a Justiça não informou o montante que foi, de fato, bloqueado das contas:

  • Orlando Diniz: R$ 306.565.536,86
  • Cristiano Zanin: R$ 237.355.655,36
  • Eduardo Martins: R$ 171.358.835,00
  • Ana Tereza Basílio: R$ 43.148.004,68
  • Roberto Teixeira: R$ 32.197.650,68

Operação E$quema S mira advogados

No dia 9 de setembro, o Ministério Público Federal deflagrou a Operação E$quema S, que cumpriu 50 mandados de busca e apreensão em alguns dos mais conhecidos escritórios de advocacia no Rio, em São Paulo e em mais quatro capitais. Os mandados foram expedidos por Bretas. Não houve pedido de prisão.

A operação partiu da delação premiada de Orlando Diniz, ex-presidente do Sesc-RJ, do Senac-Rio e da Fecomércio-RJ. Diniz contou que, para se manter no poder e não ser investigado, contratou dezenas de advogados. Segundo a Lava Jato, os escritórios não prestavam serviços tradicionais de advocacia.

As investigações indicam que eles recebiam valores milionários da Fecomércio-RJ por meio de contratos simulados e notas fiscais falsas. Para o MPF, o objetivo dos advogados era atuar nos bastidores, praticando tráfico de influência e conseguindo julgamentos favoráveis a Orlando Diniz nos órgãos de fiscalização e no Poder Judiciário.

Segundo a investigação, alguns dos pagamentos foram “sob contratos de prestação de serviços advocatícios ideologicamente falsos”, sem contratação formal e sem critérios técnicos, como concorrência ou licitação.

A denúncia diz que, de 2012 a 2018, dois advogados comandavam toda essa estratégia jurídica: Roberto Teixeira e Cristiano Zanin.

Segundo as investigações, eles montaram o esquema inicial de desvio do dinheiro do Sesc e do Senac do Rio. Como a batalha jurídica foi ficando mais intensa, os dois advogados passaram também a indicar outros escritórios para fazer parte do esquema.

Na delação, Orlando Diniz diz que sentiu naquele momento ter “passado de comprador a mercadoria”. Segundo ele, em vez de defendê-lo, os advogados criaram a lógica do “quanto pior, melhor”, pois mais contratos iam sendo assinados e os valores iam aumentando.

Outro nome entre os denunciados é do advogado Eduardo Martins, apontado pelos procuradores como mais um dos integrantes do “núcleo duro” da organização. Martins é filho do recém-empossado presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins.

Segundo a Lava Jato, o papel do escritório de Eduardo Martins também seria o de vender facilidades em tribunais superiores. Os investigadores afirmam que o escritório dele recebeu R$ 82 milhões do esquema, sendo o restante dos R$ 150 milhões fragmentado entre os demais advogados denunciados.

O que disseram os citados

O advogado Cristiano Zanin informou que não houve o bloqueio dos R$ 237 milhões porque ele não tinha esse valor nas contas.

“É mentirosa a afirmação de que houve o bloqueio de R$ 237 milhões da minha conta bancária. Não tenho esse valor, embora pudesse ter, já que a minha atuação sempre foi na advocacia privada. A mirabolante decisão foi proferida em mais uma clara tentativa de macular minha história de mais de 20 anos na advocacia privada em litígios decisivos e também consiste numa clara tentativa de me enfraquecer em processos decisivos que estão sob a minha condução e que contestam a legalidade da própria Operação Lava Jato, em especial, aquele que trata da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. Na desesperada tentativa de criar manchetes e produzir efeitos políticos, o juiz fixou o valor do bloqueio mediante uma descabida somatória de valores de diferentes escritórios de advocacia e ainda adicionou exorbitante valor a título de ‘dano moral’, que ele mesmo estipulou, o que mostra um absurdo sem precedentes. Nossa atuação sempre foi pautada pela ética e pela legalidade. Os serviços advocatícios que prestamos em favor da Federação do Comércio do Rio de Janeiro, uma entidade privada, estão amplamente documentados, registrados nos nossos sistemas internos e mostram mais de 12 mil horas de trabalho prestadas por 77 profissionais da área jurídica, além do suporte administrativo. Todo esse material já foi examinado por auditoria externa, que atestou a plena regularidade da contratação, do recebimento dos honorários e, ainda, que nenhum valor foi sacado ou transferido em favor de terceiros”, diz a nota.

Sobre a operação, Zanin enviou nota em que diz que houve um “atentado à advocacia e retaliação”. “A iniciativa do Sr. Marcelo Bretas de autorizar a invasão da minha casa e do meu escritório de advocacia a pedido da Lava Jato somente pode ser entendida como mais uma clara tentativa de intimidação do Estado brasileiro pelo meu trabalho como advogado, que há tempos vem expondo as fissuras no Sistema de Justiça e do Estado Democrático de Direito”, afirma o advogado.

Segundo Zanin, todos os serviços prestados pelo seu escritório à Fecomércio-RJ entre 2011 e 2019 estão “devidamente documentados em sistema auditável e envolveram 77 (setenta e sete) profissionais e consumiram 12.474 (doze mil, quatrocentas e setenta e quatro) horas de trabalho. Cerca de 1.400 (mil e quatrocentas) petições estão arquivadas em nosso sistema.”

“Além disso, em 2018, a pedido da Fecomércio-RJ, entregamos cópia de todo o material produzido pelo nosso escritório na defesa da entidade, comprovando a efetiva realização dos serviços que foram contratados. Os pagamentos, ademais, foram processados internamente pela Fecomércio/RJ por meio de seus órgãos de administração e fiscalização e foram todos aprovados em Assembleias da entidade — com o voto dos associados”, continua a nota.

O escritório Basilio Advogados, em nota, disse que “atuou entre 2013 e 2017 em mais de 50 processos da Fecomercio, tanto na Justiça Estadual como na Justiça Federal”. “Todos os nossos advogados trabalham de forma ética e dentro da legalidade. O escritório confia na Justiça e está à disposição para qualquer esclarecimento”, acrescentou.

Orlando Diniz divulgou a seguinte nota: “Advogados defendem direitos, não ideologias ou partidos. E a defesa desses direitos precisa ser apartidária e intransigente, sob pena de se subverter a democracia e o próprio Estado de Direito. Estabelecidas essas premissas repudiamos peremptoriamente as declarações que levianamente insinuam conluios e inventam conspirações, com o fito único de sobreviverem à avalanche de acusações que pesam contra seus autores. Acrescido a isso a defesa do Orlando Diniz ressalta que representa seus interesses há quase dois anos e foi contratada pelo Senador Flávio Bolsonaro há menos de um ano”.

O G1 tentou contato com os demais citados na reportagem, mas, até a última atualização desta reportagem, ainda não teve resposta.

 

Fonte: G1

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