As autuações do instituto na Amazônia Legal caíram 62% em relação ao mesmo período do ano passado. Até 18 de outubro, foram 938 crimes contra a flora, enquanto o mesmo período de 2019 teve 2.475 autuações.
Neste ano, todos os nove estados, exceto o Amapá, registraram o menor número de autuações da série desde 2004.
Os dados mostram que, entre a expedição da multa pelo fiscal em campo até o pagamento efetivo, o caminho pode levar anos, sendo que a maior parte dos crimes de desmatamento demora mais de uma década para retornar à sociedade com um ressarcimento financeiro.
O problema não é exclusivo destes primeiros 10 meses de 2020: no mesmo período de 2018, como é possível ver no gráfico acima, foram 3,2 mil autuações – apenas 93 foram pagas até outubro (2,7%). O mesmo ocorre no mesmo período de 2019: 2,4 mil autuações e quase 50 pagas no mesmo ano, uma taxa de quase 2%.
Paralisação dos pagamentos das multas
Em outubro de 2019, um decreto aprovado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e pelo presidente Jair Bolsonaro alterou o processo das cobrança de multas ambientais. O desmatador agora pode tentar uma audiência de conciliação.
Maurício Guetta, especialista em direito ambiental, explica que o fiscal em campo detecta uma infração contra o meio ambiente, faz a autuação e, a partir de então, já está valendo a multa. Antes, a pessoa autuada pagaria ou apresentaria uma defesa, com uma fase de instrução e um julgamento em seguida. Depois, poderia recorrer em primeira e em segunda instância.
“Inúmeros fatores inviabilizam a rapidez do processo. Um montante expressivo de arrecadação de multas no Brasil demora anos. Em geral, são porcentagens ínfimas de pagamento, e isso significa que o processo não consegue chegar até o fim”, disse.
Desde o novo modelo implementado por Salles, uma audiência de conciliação foi adicionada neste percurso antes do pagamento. Na quarta-feira (21), quatro partidos entraram com uma ação contra o decreto, apelidado pelos ambientalistas de “Punição Zero”.
PT, PSB, PSOL e Rede pedem que o decreto seja suspenso. Entre os argumentos apresentados pelos partidos, está o levantamento pela organização Observatório do Clima: foram 7.205 audiências de conciliação marcadas, mas apenas cinco ocorreram no período de um ano. No ICMBio, nenhuma audiência foi marcada.
“O processo já era problemático e precisava de um aperfeiçoamento para atingir a finalidade: pagamento das multas. Agora, ele acabou por ser quase que totalmente paralisado por conta dessa nova fase do decreto de outubro do ano passado. Assim que é aplicada a autuação já é marcada essa audiência. Antes de o autuado apresentar a defesa já tem a audiência. Mas e se ela não é feita? Tudo fica parado”, questiona Guetta.
Arrecadação atrasada em décadas
Mesmo com a queda nas autuações e a lentidão do processo, a arrecadação por multas em 2020 ultrapassa os R$ 4,2 milhões. Neste valor, pouco mais de R$ 12,5 mil são decorrentes de crimes que ocorreram neste ano. Todo o restante quitado é resultado de autuações ocorridas nas décadas anteriores, principalmente de 2000 a 2009.
- Foram pagas até a segunda semana de outubro 1.039 multas;
- Entre elas, 3 estão entre as 938 autuações que foram feitas neste ano até 30 de setembro;
- O restante do que foi pago é resultado de fiscalizações dos anos anteriores, principalmente entre os anos de 2000 a 2009;
- Em 2018, o país arrecadou pouco mais de R$ 22 milhões no período de janeiro até a segunda semana de outubro. Deste valor, R$ 1,2 milhão (6,5%) eram de crimes que foram autuados no mesmo ano;
- No mesmo período de 2019, já com uma queda de 37% na arrecadação geral, o valor caiu para R$ 13,9 milhões, sendo R$ 478 mil (3,4%) referentes a multas aplicadas no mesmo ano;
- Entre 2019 e 2020, a queda no valor total arrecadado no período de janeiro a outubro foi de 70%.
Ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo diz que a falta de fiscais em campo é um problema antigo, neste ano impulsionado pela pandemia e pelo aumento no pedido de aposentadorias. Ela diz que há anos o Ibama não tem feito novos concursos públicos para a contratação, com um quadro que ficou ainda mais reduzido com parte dos servidores em quarentena.
“Na Amazônia, não deve chegar a 500 fiscais. E não adianta militarizar, porque os militares não podem lavrar os autos. Eles precisam ir com um fiscal. Não adianta encher de gente lá no meio da floresta com pessoas que não estão treinadas para a fiscalização ambiental. Precisa fazer um planejamento prévio, com muito dado de satélite, rastreamento da cadeia produtiva, e ligação com outros ilícitos ambientais”, disse.
“Os fiscais ambientais sabem olhar imagens, pegar o computador e ver o que está acontecendo na região. Tem toda uma sofisticação de como fazer essas operações, que é totalmente diferente de colocar um monte de gente do Exército. A solução é repor esse quadro de pessoal”, completou.
Em agosto deste ano, os servidores do Ibama divulgaram uma carta aberta ao presidente do órgão e à sociedade brasileira. Eles alertavam sobre a queda de 24% no número de fiscais do órgão entre 2018 e 2019, entre outros problemas. Mais de 400 funcionários do instituto assinaram o documento.
Devastação, o resultado da soma de fatores
Falta de fiscalização, de pessoal e de agilidade são alguns dos problemas que o instituto lida para conseguir atingir o objetivo final: proteger a Amazônia e os outros biomas brasileiros.
A área desmatada na Amazônia foi de 9.762 km² entre agosto de 2018 e julho de 2019, de acordo com números oficiais do governo federal divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Trata-se de um aumento de 29,5% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que registrou 7.536 km² de área desmatada.
Os dados são do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), considerado o mais preciso para medir as taxas anuais. Os números referentes ao período entre agosto de 2019 e julho de 2020 ainda não foram divulgados, mas o sistema de alertas do Inpe, o Deter, mostra um recorde no primeiro trimestre deste ano e uma alta de 30% no mês de agosto.
As queimadas, problema relacionado ao desmatamento, também estão em alta. Antes do final do ano, o fogo registrado na Amazônia já superou o total em todo o ano de 2019. Foram 89.604 focos de calor detectados pelos satélites do Inpe até esta quinta-feira (22), contra 89.176 em 2019.