Chefe invade live e ataca funcionária trans que o acusava de transfobia

Chefe invade live ataca funcionária trans que o acusava de transfobia — Foto: Arquivo Pessoal

O chefe de uma mulher transexual invadiu a live em que ela o acusava de transfobia e a atacou, como mostra o vídeo feito no domingo (18). No distrito policial, o delegado teria registrado o boletim de ocorrência sem ouvir o relato dela e a colocou como autora do crime de agressão.

Jeniffer de Oliveira Pereira, 25 anos, contou ao G1 que começou a trabalhar como vendedora na loja Fendior, localizada na Rua Augusta, região central da cidade de São Paulo, no dia 3 de junho, a convite do próprio dono do estabelecimento, Helio Job Neto, focado no público LGBTQIA+.

Segundo ela, a relação de trabalho foi harmoniosa durante os primeiros 15 dias de serviço, apesar dos relatos de colegas sobre eventuais agressões verbais contra eles por parte do chefe.

“Esses colegas acabaram pedindo demissão, e logo eu também passei a ser agredida verbalmente todos os dias, inclusive em frente a clientes e aos funcionários das lojas vizinhas, com piadinhas transfóbicas, que questionavam minha feminilidade, ignorando meu nome social, e com o uso de palavras ofensivas, como ‘traveco’. Paralelamente, eu trabalhava sem registro e folguei uma única vez em cerca de 45 dias empregada”, disse ela.

O último episódio aconteceu no último domingo, que teria começado com críticas racistas ao cabelo dela, e terminou com o ataque físico. Constrangida com o questionamento sobre o penteado, Jeniffer acabou escondendo o cabelo em um coque e, horas depois, quando atendia um amigo que levou seu almoço, foi mandada calar a boca pelo modo como conduzia a conversa.

“Respondi que não me calaria e que exigia respeito. Ele falou: ‘essa loja é minha e quem manda aqui sou eu’. Em seguida, me chamou de folgada, a discussão continuou, e ele chegou a pegar minha mão na tentativa de torcer meu dedo. Foi então que decidi iniciar uma live na tentativa de me proteger com essa prova”, afirmou a jovem.

As imagens mostram Jeniffer relatando aos seus seguidores as agressões que sofrera naquela tarde, quando repentinamente ele a ataca e é possível vê-lo puxando seu braço. Além do puxão, ela disse que recebeu socos e chutes no momento em que a câmera perde o foco.

G1 tentou contato com o dono da loja, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

O caso chegou até a vereadora Erika Hilton (PSOL), que prometeu acompanhar o caso, começando por levá-lo para a Câmara de São Paulo, onde devem solicitar esclarecimentos ao empresário e às autoridades envolvidas no caso.

“É uma violação gravíssima não só dos direitos humanos da pessoa trans, como também por ela ter sido agredida no ambiente de trabalho. Quero levar à Comissão dos Direitos Humanos, da qual sou presidenta, à CPI, que vai investigar a violência contra pessoas trans na cidade de São Paulo, e também pedir que o Ministério Público abra uma investigação”, disse a vereadora.

Jeniffer de Oliveira Pereira filmou ataque de chefe contra ela — Foto: Arquivo PessoalJeniffer de Oliveira Pereira filmou ataque de chefe contra ela — Foto: Arquivo Pessoal

Atendimento na delegacia

 

Jeniffer de Oliveira Pereira contou que recorreu à polícia após o ataque, mas que não teve o atendimento que esperava.

Primeiro, os policiais teriam ido até a loja, mas teriam passado a maior parte do tempo conversando com o chefe e ouvindo a versão dele.

Em seguida, Jeniffer e o homem teriam sido encaminhados ao 78º Distrito Policial dos Jardins para o registro de um boletim de ocorrência.

“Eu fiquei mais ou menos uma hora e meia esperando ser atendida pelo delegado, até que um policial veio falar comigo e disse ‘assina aqui essas três folhas’. Perguntei que documentos eram aqueles, e ele me disse que era um BO. Perguntei, ‘mas como, se eu, que acionei a polícia, sequer fui ouvida?’. Fui informada de que o delegado não queria me ouvir, mas ainda assim o procurei no DP. Falei que sou uma mulher trans e que fui agredida, que tinha a prova em vídeo e ele disse: ‘você, uma mulher, Paulo? Disse que não me ouviria e que eu deveria procurar um advogado se não estivesse satisfeita”, disse ela à reportagem.

O BO por lesão corporal em que Jeniffer e o chefe aparecem como autores e vítimas foi assinado pelo delegado Fábio Hayayuki Matsuo. A reportagem questionou o delegado, via Secretaria da Segurança Pública (SSP), se ele confirmava o registro do boletim de ocorrência sem ouvir a pessoa que o solicitou. Em nota, a pasta disse que “as partes foram ouvidas”.

O advogado e ativista LGBT Bruno Otávio Costa Araújo, que acompanha o caso de Jennifer, disse à reportagem que a primeira providência é pedir na quinta-feira (22) que o delegado retifique o registro do boletim de ocorrência.

“Nós vamos exigir que a investigação seja feita, começando pelo registro de um BO que tenha como base as declarações dela. Isso é o mínimo. De acordo com a minha cliente, o delegado não viu o vídeo, da live e ela se sentiu coagida a assinar o documento. Enxergo ao menos três crimes neste ambiente de trabalho, que devem estar no BO – a transfobia, o racismo e a lesão corporal, registrada na gravação. Se não for possível fazer este registro, teremos que recorrer à Ouvidoria”, afirmou.

Fonte: G1

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