Não existe uma receita certa para vencer a Libertadores, mas, se Atlético-MG e Botafogo estão apenas a 90 minutos e um confronto no Monumental de Núñez de alcançar a tão falada Glória Eterna, foram além do espírito sul-americano e da boa organização. Ambos investiram em jogadores de peso, que foram ingredientes essenciais para trazerem a equipe até a final, que começa hoje, às 17h. De um lado, Hulk, Paulinho, Gustavo Scarpa e Deyverson tentam aumentar o legado de uma geração, enquanto Luiz Henrique, Savarino, Thiago Almada e Igor Jesus buscam o maior título da História de seu clube.
Por mais que os “quartetos fantásticos” representem os melhor ataques desta Libertadores — cariocas têm 28 gols e mineiros, 21 —, o comportamento ofensivo de cada equipe se diferencia pela preferência tática dos técnicos. Exemplo disso é que o Botafogo ataca verdadeiramente com quatro atletas, enquanto o Galo pode ter o lateral-esquerdo Guilherme Arana como “fator surpresa” no preenchimento da área.
— O Artur Jorge tem Igor Jesus e Savarino como dupla de ataque. Luiz Henrique e Almada trabalham por dentro ou abertos. Já o Gabriel Milito empurra cinco jogadores em cima da última linha adversária. Arana e Scarpa trabalham na esquerda e direita, respectivamente, enquanto Paulinho, Hulk e Deyverson, por dentro. O Atlético pratica um jogo posicional, enquanto o Botafogo tem mais liberdade de movimentação, o que favorece a intuição de meias e atacantes — analisa Rodrigo Coutinho, comentarista do Grupo Globo.
Ele destaca que o apoio dos laterais faz parte da estratégia do Bota. Não à toa, Alex Telles e Vitinho podem avançar juntos ao ataque, sendo basicamente pontas.
Milito promete pressão
O histórico recente dos times pode indicar as estratégias dentro de campo. Como não vence há dez jogos, o Galo vem num viés de baixa que contrasta com o embalo do alvinegro carioca, que reassumiu a liderança do Brasileiro ao vencer o confronto direto com o Palmeiras, na terça-feira. Em uma espécie de “prévia” da decisão continental, as equipes empataram sem gols, há dez dias, pela competição nacional, em Belo Horizonte, num verdadeiro ataque contra defesa. Prova disso é que o Botafogo teve 24 finalizações a mais que o Atlético (27 a 3).
— O Atlético tem jogado muito mal. Sabe que, se for de peito aberto, pode sofrer muito com os espaços que costuma ceder. A saída deve ser marcar bem fechado, já que o Botafogo teve recente dificuldade com times que jogaram na retranca, além de levar o jogo para um lado mais da provocação. O Botafogo deve repetir a estratégia de sempre, que é se instalar no campo de ataque e subir a marcação para dominar o adversário — ressalta.
Em coletiva concedida ontem, porém, Milito foi na contramão, o que também pode ser um blefe.
— Pressionar muito o Botafogo logo no início. Também estamos preparados para adotar uma posição de mais controle posicional e voltar e fechar espaços, se necessário. O time entende perfeitamente quando tem que jogar no ataque, pressionando, e quando é necessário recuar e estar juntos atrás — revelou Milito.
Outro fator que pode pesar é a questão emocional, ainda mais se tratando de uma final de Libertadores. No confronto do Brasileiro, houve três expulsões — Rubens, do Galo, e Alexander Barboza e Luiz Henrique, do Botafogo. O atacante se envolveu em uma confusão com Hulk, o que traz duelo de protagonistas à parte, mesmo que tenham se perdoado publicamente.
— São quatro nomes da excelência que cada uma das equipes tem. Espero que minha defesa esteja mais forte que a do adversário, para podermos parar esses quatro — comentou Artur Jorge na última segunda-feira. — Os nomes são importantes, mas o fator decisivo é o comportamento coletivo. Não acredito que será uma final decidida por alguma individualidade, mas, sim, por uma equipe que seja mais equipe, mais compacta, solidária, ambiciosa.
Um olhar atento para números dos times prova que o coletivo do alvinegro carioca é mais marcante ao longo da temporada. Dos 117 gols marcados, 34 vieram de Savarino (12), Luiz Henrique (11), Igor Jesus (8) e Almada (3). Porém, os dois últimos foram contratados no meio do ano, e o artilheiro é Júnior Santos (19).
Botafogo não desperdiça
Pelo contrário, dos 101 gols marcados pelo Atlético-MG, mais da metade vieram do quarteto (53), sendo que Hulk (19), Paulinho (19) e Scarpa (9) são os três artilheiros, e Deyverson, que chegou no decorrer da temporada, marcou seis, muitos deles decisivos.
Outra estatística projeta o que vai ser o confronto. Segundo levantamento feito pelo analista de dados Caio Miranda, a pedido do GLOBO, o Atlético-MG se mostra uma equipe mais imprevisível na frente. Tanto que o índice de expected goals (xG) — estatística que tenta quantificar a probabilidade de se transformar uma finalização em gol — do quarteto atleticano (32), no Brasileirão e na Libertadores, é bem menor que o número de gols feitos (39). Já no Botafogo, está mais próximo: 31 gols do quarteto, diante 29,7 de xG.
— Isso quer dizer que o Botafogo é uma equipe que cria muitas grandes chances, mas desperdiça, como vem acontecendo nos últimos jogos — explica o analista tático Guilherme Dias, dono do perfil Tática Alvinegra. — Enquanto o Atlético é uma equipe que não só aproveita bem suas chances de gol, como também faz alguns gols improváveis.
Para ele, há grandes chances de que o caminho da final será determinado por quem conseguir marcar o primeiro gol, especialmente no caso do Atlético. A equipe de Milito é muito hábil em segurar resultados quando sai na frente do placar. Na semifinal da Libertadores, conseguiu uma vitória por 3 a 0 contra o River Plate que pavimentou a classificação. Em contrapartida, se o Botafogo marcar primeiro, sua característica de aproveitar espaços e jogar em velocidade transformará o cenário.
O mesmo levantamento aponta uma fragilidade do Galo: é o terceiro time que mais teve bolas roubadas em seu terço defensivo na temporada (2,73), atrás apenas de Fluminense (3,81) e Vitória (2,84). O melhor time neste quesito é justamente o Botafogo (1,36). Assim, uma proposta que preza mais pela qualidade dos passes e o jogo por baixo se confrontará com uma equipe mais física e de presença na área. A chegada de Deyverson exacerbou este aspecto atleticano.
— Quando você tem dois centroavantes juntos, mais o Paulinho… o Deyverson chamando atenção de um dos zagueiros, e o Hulk chamando atenção de outro… Causa desequilíbrio na linha de marcação — analisa Dias. — O Deyverson chega funcionando muito porque tira o foco do Hulk. Tem essa questão de imprevisibilidade, perturbar o adversário, mas ele entrega muito também nessa força aérea e presença de área — conclui.