A Polícia Federal encontrou planilhas que revelam detalhes sobre o fluxo de caixa mensal do Comando Vermelho do Rio numa troca de mensagens entre dois integrantes da cúpula da facção. No diálogo interceptado, Edgar Alves Andrade, o Doca, chefe do tráfico do Complexo da Penha e um dos criminosos mais procurados do Rio, compartilhou com Arnaldo da Silva Dias, o Naldinho, preso no Complexo de Gericinó, a movimentação financeira da quadrilha em fevereiro de 2024. As planilhas mostram que, naquele mês, havia R$ 13.872.003,00 no “caixa da facção” — dinheiro usado para pagamento de advogados da cúpula e compra de armas e drogas.
ACOMPANHE MAIS NOTÍCIAS DO ALAGOAS 24 HORAS NO INSTAGRAM
Entre as despesas assinaladas na planilha, há alusões a pagamentos de R$ 55 mil a advogados, R$ 39 mil com “30 kg de mato” — referência a maconha — e até R$ 280 com uma cafeteira. Também há menções a pagamentos de mais de R$ 30 mil a “casas de apoio” da facção em Mossoró, Catanduvas, Campo Grande e Brasília, cidades onde estão localizados presídios federais que abrigam chefes do CV.
Entre os valores descritos como “entrada”, aparecem mais de R$ 1 milhão obtidos com a venda de “pó, mato e skank” e R$ 168 mil de “fortalecimento” de diferentes favelas dominadas pela facção, como Guandu e Manguinhos — ou seja, valores repassados por chefes locais à caixa mantida pela cúpula.
‘Sem guerras e roubo’
Ontem, O GLOBO revelou mensagens de Naldinho interceptadas pela PF que mostram que a cúpula do Comando Vermelho determinou que a facção “segurasse sete dias sem guerras e roubo” por conta de uma reunião do G20 no Rio, em fevereiro do ano passado. O traficante está preso na Penitenciária Gabriel Ferreira Castilho (Bangu 3), integra o Conselho Permanente do CV — órgão formado por uma dezena de chefes do tráfico presos em Bangu, que tem a palavra final sobre decisões do grupo no Rio — e, segundo a PF, atua como uma espécie de relações-públicas da facção.
“Boa tarde a todos meus irmãos. Hoje, um representante das autoridades no Rio procurou o irmão que é sintonia e pediu para nós segurarmos sete dias sem guerras e roubo devido ao G20 (são representantes de 20 países diferentes). Para evitar isolamentos de irmãos que venham a ter ligação com determinada área. Todos estamos de acordo em segurar esses sete dias até porque se veio no diálogo, eles demonstraram um respeito por nós”, escreveu Naldinho no “salve” (comunicado aos integrantes da facção) enviado no dia 22 de fevereiro e obtido com exclusividade pelo GLOBO. A investigação da PF não identificou a suposta autoridade citada no texto.
As mensagens integram um relatório da PF que expõe a atuação de Naldinho, condenado por tráfico e homicídio a mais de 50 anos de prisão e apontado como chefe de favelas em várias cidades do Sul Fluminense, como porta-voz do CV, responsável por levar as ordens do topo até a base da facção. Em “salves” enviados a aliados fora da cadeia, o criminoso arbitra disputas entre donos de bocas de fumo, comunica seus comparsas sobre alianças com outras facções e até organiza rifas em que os prêmios são fuzis.
Transferência de cadeia
Com base nas mensagens interceptadas, a PF pediu à Justiça, em novembro do ano passado, a transferência de Naldinho para um presídio federal — em 2016, o traficante já havia sido levado para uma unidade fora do Rio, mas acabou voltando ao estado em 2020. A Polícia Civil também solicitou a transferência em fevereiro passado, e o Ministério Público corroborou o pedido. Segundo o Tribunal de Justiça do Rio, ainda não há decisão obre o caso.
O EXTRA não conseguiu contato com a defesa de Naldinho. À Justiça, no entanto, seus advogados afirmaram que “não há como identificar a pessoa que se utilizou da linha telefônica” e defenderam que “não há conduta praticada pelo apenado capaz de incluí-lo no sistema penitenciário federal”.