A Justiça de São Paulo arquivou o caso do policial militar que confundiu um casal com ladrões e baleou e matou a mulher há mais de um ano, em um posto de combustíveis na capital paulista. Câmeras de segurança gravaram o que ocorreu no estabelecimento da Zona Sul, em 6 de outubro de 2024. O casal se casaria em 20 dias.
O arquivamento ocorreu em agosto deste ano após pedido do Ministério Público (MP), com isso o inquérito policial será extinto sem a responsabilização do agente da Polícia Militar (PM) pela morte da vítima. O policial nunca foi preso por esse caso, mas ainda cabe recurso contra a decisão.
A Promotoria alegou que o cabo Daniel Lins Ferreira se equivocou e cometeu um “erro na execução” ao atirar na direção de Francisca Marcela da Silva Ferreira, 33 anos, e do noivo, Wilker Michel da Silva. Mas que ele reagiu em “legítima defesa” porque estava de folga quando sacou a arma para impedir um arrastão contra clientes no posto, no Ipiranga. Além disso, queria se proteger no local.
É possível ver o PM correndo e apontando a arma para o casal, que estava desarmado e momentos antes teve a moto roubada pelos bandidos. Em seguida, Daniel dispara. Um dos tiros atinge Francisca, que cai. Wilker tenta socorrê-la. A mulher não resistiu e morreu.
O mesmo entendimento do Ministério Público também tiveram a Polícia Militar e a Polícia Civil, que investigaram o caso e não responsabilizaram Daniel pela morte de Francisca. O PM contou tinha ido abastecer o carro e sai dele ao perceber que criminosos em motos assaltavam diversos clientes.
Dois dos seis assaltantes também foram baleados pelo cabo no tiroteio. Um deles havia roubado a motocicleta, capacete e celular do casal, que havia parado no posto para calibrar os pneus. Mas acabou caindo e derrubando o veículo, da marca Triumph modelo traill.
Os dois bandidos baleados pediram socorro em hospitais. Um deles acabou morrendo. E outro, identificado como Gustavo Pereira Bortolotti, foi preso pela polícia e negou envolvimento no crime. Julgado em julho deste ano, ele foi condenado por roubo pela Justiça. Recebeu pena de 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão em regime semiaberto.
Promotor cita legítima defesa
Francisca Marcela da Silva Ribeiro morta durante roubo de moto no Ipiranga, Zona Sul de São Paulo. — Foto: Montagem/g1/Acervo PessoalO promotor Rogério Leão Zagallo, que pediu à Justiça o arquivamento do caso, classificou a morte de Francisca como “uma enorme infelicidade”.
“Ainda que se consiga afirmar que o disparo mortal foi efetuado pela arma que Daniel portava, não há como negar que esse atirador estava refutando um ataque injusto que contra ele era praticado pelos ladravazes, os quais também faziam uso de armas de fogo”, escreveu Zagallo no pedido. “
“A morte de Francisca, ocorrida em meio ao intenso tiroteio ali praticado, deu-se, de forma involuntária, porquanto fruto de uma aberratio ictus [erro na execução], não se podendo, ademais, vislumbrar excesso na conduta do policial em questão. Diante de tudo o que foi apresentado, entendo que o caminho a ser trilhado é o do arquivamento dos autos”, pediu o promotor.
Juíza arquivou outro caso
“Nos termos da fundamentação expendida pelo ilustre representante do Ministério Público (…), determino o arquivamento deste inquérito policial”, decidiu a juíza Isadora Botti Beraldo Moro, da 5ª Vara do Júri.
No ano passado, a mesma magistrada arquivou outro caso recente envolvendo um PM investigado por suspeita de matar uma pessoa durante uma ocorrência em São Paulo. O pedido pelo arquivamento também foi feito por Zagallo.
À época, o promotor entendeu que o cabo Wesley Dias agiu em “legítima defesa” depois de dar um tiro de ‘bean bag’ que matou o torcedor são-paulino Rafael Garcia em 2023. Isadora concordou e pôs fim à investigação.
O que dizem noivo e defesa
Procurado nesta quinta pelo g1 para comentar o assunto, o motoboy Wilker falou que vai constituir advogados para recorrer da decisão judicial que arquivou a investigação que apurava a responsabilidade sobre a morte de sua noiva.
“Vou sim, eu vou atrás [de recorrer], porque não pode ser assim. Ele [PM] não pode sair como ‘legítima defesa’ sendo que nas filmagens é nítido que não havia mais risco. Ele que criou outra situação de risco. A moto tinha seguro e rastreador, não tinha porque ele ter reagido. E se ele tinha dúvidas quem eram os bandidos, ele não poderia ter atirado”, falou Wilker. “Estávamos com as mãos pra cima e gritando que éramos as vítimas, mesmo assim ele atirou“.
O motoboy afirmou que o arquivamento do caso não foi justo. “Estou me sentindo impotente, com sentimento que estou sofrendo uma injustiça, e que a vida não vale nada”, disse. “Ele [PM] tirou a vida de uma mulher que só queria ser feliz e realizar sonhos, e pra eles [autoridades] tudo bem isso”.
“Ficou comprovado nos autos que Daniel agiu em legítima defesa, que no momento dos disparos efetuados por ele sua vida estava em risco em face do intenso tiroteio ocorrido”, afirmou o advogado Diego Eliel, que defende o cabo.
Francisca Marcela da Silva Ribeiro — Foto: Acervo pessoal