Como a ciência explica a confusão de Henry Sobel

Ao longo de seus 35 anos de atuação no Brasil, o rabino Henry Sobel, presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista (CIP), construiu a reputação de ser um dos principais defensores dos padrões éticos na sociedade brasileira. Um dos líderes da influente comunidade judaica paulista, deu inúmeros exemplos de coragem, como no combate à ditadura militar, e foi um dos artífices do entendimento entre as diversas religiões.

Na semana passada, das 18h15 do dia 23 de março às 15 horas do dia 24, essa imagem sofreu um abalo. Sobel ficou detido, entre presos comuns, numa delegacia do condado de Palm Beach, Flórida, nos Estados Unidos. Foi fotografado, fichado e autuado pelo furto de cinco gravatas de grife em lojas americanas.

Segundo o prontuário policial número 2007016314, Sobel foi flagrado pelo sistema de vigilância de uma das lojas. Um funcionário da Louis Vuitton desconfiou de seu "comportamento estranho" e, ao se dar conta da falta de uma gravata, chamou a polícia. Abordado nas imediações da loja, Sobel teria inicialmente negado o furto. Mas, sem recibos nem sacolas da loja para comprovar a compra, teria admitido que pegou a gravata e não pagou por ela.

Em seu carro, a polícia encontrou outras quatro gravatas, das marcas Louis Vuitton, Gucci, Giorgio’s e Giorgio Armani. O valor total do furto seria de quase R$ 1.400. Sobel pagou US$ 3 mil de fiança e voltou para o Brasil. Terá de se apresentar à Justiça de Palm Beach para uma audiência, marcada para 23 de abril. A pena máxima prevista pelo delito é de cinco anos.

Explicações

O que explica esse comportamento? A primeira hipótese a surgir em casos como este é um distúrbio psiquiátrico conhecido como cleptomania. A palavra vem do grego antigo. Klepto significa roubar. Trata-se, portanto, de uma compulsão para furtar.

Quem sofre disso não consegue conter o impulso de se apropriar de objetos, apesar de ter consciência de que o ato é errado e sem sentido. A pessoa com freqüência tem medo de ser apanhada, sentindo-se deprimida ou culpada. "Os cleptomaníacos são doentes. Eles sentem prazer no desafio de furtar, e não em desfrutar do produto do furto", diz o psiquiatra Hermano Tavares, do Hospital das Clínicas de São Paulo, um dos maiores especialistas nesse tipo de transtorno. "Estudos mostram que essas pessoas têm alterações em uma área do cérebro responsável pelos impulsos e pelo juízo de moral. O cleptomaníaco sente um prazer grande quando furta, mas logo em seguida se deprime. Por isso, muitas vezes ele devolve ou abandona o objeto que pegou." O psiquiatra afirma que os cleptomaníacos dificilmente procuram tratamento porque têm vergonha da doença.

Em geral, o distúrbio se manifesta na adolescência – embora, em alguns casos, só seja percebido muitos anos depois. Estudos mostram que os cleptomaníacos têm baixa atividade no córtex pré-frontal ventromedial, região do cérebro responsável pelos impulsos e pelo juízo de moral. Por tudo o que realizou na vida, é difícil acreditar que Sobel tenha deficiência em fazer juízos morais.

Tratamento

Uma segunda possível explicação foi dada na sexta-feira, pelos médicos José Henrique Germann e Flavio Huck, do Hospital Israelita Albert Einstein, onde o rabino se internou. O boletim divulgado pelo hospital afirma que Sobel "estava sob tratamento medicamentoso e, por insônia severa, vinha fazendo uso imoderado de hipnóticos diazepínicos, causadores potenciais de quadros de confusão mental e amnésia". Sobel permaneceu internado, para observação clínica. A "confusão mental" poderia fazer Sobel cometer furtos? "Se estava tomando esse tipo de remédios, sim", diz o psiquiatra Guido Palombo, presidente da Academia de Medicina de São Paulo. "Um coquetel de remédios antidepressivos e indutores do sono pode causar estreitamento da consciência. A pessoa passa a agir de forma semi-automática, quase primitiva." Seria uma espécie de cleptomania? "Não, a cleptomania se caracteriza como uma doença que não é estimulada por remédios. O caso do rabino é claramente episódico."

Segundo um dos amigos próximos de Sobel, o deputado federal Walter Feldman, Sobel estaria fazendo tratamento contra o mal de Parkinson. Mudanças no comportamento do rabino já vinham sendo notadas desde a semana anterior à prisão. "Eu percebi que ultimamente o rabino Henry Sobel estava diferente. Um pouco evasivo. Na quarta-feira (21 de março), ele me ligou para cancelar uma viagem que faria comigo no dia seguinte para a Venezuela e a Argentina, para o Congresso Judaico Latino-Americano", disse Jack Terpins, presidente da Confederação Nacional Israelita. "Não é o tipo de comportamento dele. Estou perplexo com o que aconteceu. Só posso acreditar que vinha ocorrendo algo de errado. Ele é uma pessoa muito querida e a comunidade toda está solidária com ele."

Na quinta-feira, assim que a notícia da prisão começou a circular no Brasil, Sobel primeiro negou o fato. Horas depois, soltou uma nota em que dizia jamais ter tido a intenção de furtar qualquer objeto em toda a vida. "Pessoalmente, estou habituado a enfrentar crises e acusações de que posso me defender. Só não posso admitir que tentem desqualificar os valores morais que sempre defendi." Ainda na quinta-feira, teve uma reunião na CIP em que ficou decidido seu afastamento temporário do cargo. Sobel já enfrentava, havia alguns anos, uma crescente oposição de membros da comunidade insatisfeitos com seu estilo "festeiro". Para os conservadores, a prisão foi o motivo que faltava para tirá-lo da presidência do rabinato.

O afastamento implica pelo menos uma punição imediata: Sobel não deverá participar do encontro entre líderes no Mosteiro de São Bento, por ocasião da visita do papa Bento XVI a São Paulo. Será uma lacuna na longa tradição de encontros protagonizados pelo rabino com as principais lideranças de outras religiões.

Filho de pais belgas, Henry Sobel nasceu em Lisboa, Portugal. Morou muitos anos nos Estados Unidos, onde concluiu sua formação. Bacharel em Literatura Hebraica, ele é mestre em Letras e Ordenação Rabínica pelo Hebrew Union College – Jewish Institute of Religion. Do período vivido em Nova York, onde conheceu a mulher, Amanda, ele importou o sotaque carregado que mantém até hoje, após mais de três décadas no Brasil.

Poucos anos depois de sua vinda ao país, Sobel ganhou notoriedade com uma atuação corajosa contra a ditadura. O jornalista Vladimir Herzog havia morrido em uma cela do Dops, o Departamento de Ordem Política e Social do regime militar. O governo afirmou que ele havia se suicidado. Pela tradição judaica, o suicídio é um crime, e quem o comete deve ser enterrado em uma área fora dos muros do cemitério. Sobel presidiu a cerimônia de enterro de Herzog numa área nobre do cemitério judaico israelita do Butantã, em São Paulo. Era uma contestação explícita da versão oficial para sua morte, e embutia uma denúncia da existência de tortura no país. "A ditadura começou a cair ali", costuma dizer Sobel. A missa de sétimo dia de Vladimir Herzog, além de ser um dos mais importantes protestos contra a ditadura militar, acabou se transformando num grande evento ecumênico.

O ecumenismo tem sido, desde então, uma das marcas do rabinato de Sobel. Ele sempre procurou o diálogo entre as religiões, reafirmando o valor da tolerância. Essa postura encontrou resistência entre os judeus mais ortodoxos. Eles se sentem desconfortáveis com algumas das manifestações liberais do rabino. Não apenas com seus pares Sobel criou polêmica. Em entrevista à revista Playboy, disse que o celibato dos padres é contra a natureza, revoltando a Igreja Católica.

Fonte: G1

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