Sempre para o mais alto!

Porque Deus deu ao homem o dever de proteger os seres menores da Criação.

Não sei se o leitor se recorda quando contei aqui que tinha ganhado um bonsai de presente de aniversário, em janeiro deste ano. Pois bem! É com enorme pesar que ora anuncio: o meu Fícus está morrendo. E eu que não falo sua língua, fico por ali, olhando, tentando me fazer presente na sua hora extrema.

Para quem não sabe, bonsai é aquela miniatura de árvore que os chineses inventaram de cultivar em pequenas bandejas, por volta do ano 202 a. C., arte que chegou ao Brasil pelas mãos hábeis dos japoneses. Já o Fícus é uma árvore meio sem graça, sem flores nem frutos, da família das figueiras.

Por sua folhagem lustrosa e farta, o Fícus ganhou fama quando os paisagistas resolveram colocá-lo em seus projetos, cortando-lhe a cabeleira, digo, a copa, em vários formatos. Muito dócil à poda, ele pode ser visto nas ruas, nos shoppings, ou em qualquer outro lugar público, numa imitação grotesca de dado, de bola, de carrinho, dependendo da criatividade maldosa do jardineiro.
A rebeldia da planta só se dá sob o solo, é o que dizem os botânicos. À medida que cresce, a árvore exige mais espaço para suas raízes, que não se importam em quebrar calçadas ou se infiltrarem nos muros para ficarem mais à vontade.

Mas como estava dizendo,o meu Fícus já está bastante desfolhado e sem viço, independente dos esforços que eu faça para animá-lo a viver ainda alguns séculos. Porque árvores são seres longevos…

Mas qual será exatamente a hora da morte de uma planta – esse pedaçinho de vida que se alimenta de água e sol? É o que me pergunto enquanto observo o pedido de socorro silencioso da arvorezinha.

Para onde irá esse princípio de vida? Será que se agarra ao solo na esperança tola de que possa ressurgir de seus últimos e insondáveis suspiros? Ou será que se joga no espaço aberto ao sabor do vento? O que será que pensa o meu bonsai?

De forma profundamente poética, o grande teórico francês Léon Denis (O problema do Ser, do destino e da dor) afirma que a vida eterna dorme na matéria bruta, sonha no vegetal, se agita no animal e acorda no homem, se elevando e se expandindo ao estado angelical. Pelos meus cálculos, a plantinha que agoniza a olhos vistos deve estar em pleno sonho, entre o dormir e o acordar dos seres que compõem a natureza. Porque acredito que somos todos irmãos nesta grande cadeia de vida eterna que é a criação divina, onde tudo está em constante transformação, “sempre para o mais alto”, como sugere Denis.

Olho para meu Fícus e penso que talvez não seja a morte que ele sinaliza. Talvez seja um momento de transformação apenas, a partir do qual venha a ressurgir ainda mais belo, já que não ousei cortar suas madeixas à revelia de sua natureza, em forma de bolo ou sorvete de casquinho ou qualquer outra coisa para divertir minhas visitas.

Não! Eu me recuso, caro amigo! Não quero me aproveitar da tua docilidade ao toque humano para moldar tuas formas com meus desvarios. Quero-te como és, Fícus, ainda que não te compreenda. Porque Deus deu ao homem o dever de proteger os seres menores da Criação.

Na nossa doença moral e na falta de preparo para o uso do livre arbítrio, nos permitimos destruir o ecossistema que nos abriga e alimenta. Tolos que somos! Não percebemos que somos como um grande corpo vivo, nós e a natureza. Cada vida que ceifamos é a nós mesmos que estamos destruindo.

Por isso não desistirei de ti, Fícus! Participo da tua agonia. E torço para que tenhas vida ainda – vida em abundância – dentro de ti. E que consigas reflorescer. Para que possas estar presente no dia da minha partida, velando os meus últimos instantes junto aos meus.

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