Denúncias de racismo são condenadas ao arquivamento

Divergências na aplicabilidade da Lei de crimes de discriminação racial frustra vítimas

No mês em que o país comemora 54 anos da Lei Afonso Arinos, um dos primeiros mecanismos legais instituídos para condenar a discriminação racial, a denúncia de um novo caso de racismo em Alagoas reacende a polêmica sobre a ausência de rigor na punição deste tipo de crime.

O drama da desempregada Edvânia Bernardo Luz, agredida esta semana, pelo mecânico José Wilton da Silva, com as frases: “negra safada” e “todos os negros são macacos”, é mais um caso que poderá ser condenado ao arquivamento, já que o agressor veio a público manifestar seu pedido de retratação. Dados do Disk-racismo, programa disponibilizado pela Secretaria de Proteção as Minorias, numa parceria entre governos federal e do Estado, revelam que no primeiro semestre deste ano, do total de denúncias de racismo formalizadas, quase 80% permanecem em aberto por desistência das vítimas.

Descrédito na justiça, medo de levar o caso adiante ou simples recuo da acusação, após o pedido de desculpas feito pelo agressor, estão entre as razões que conduzem vítimas ao abandono dos casos.

“A releitura que se faz da Lei Afonso Arinos não beneficiou a população negra. O racismo foi naturalizado no Brasil como crime de injúria”, diz o secretário de Proteção as Minorias, Zezito Araújo, que participa até amanhã, em Brasília, da 1ª Conferência Nacional de Promoção de Igualdade Racial.

Na avaliação do secretário, é preciso uma mudança de postura por parte dos operadores do Direito, promotores, juízes e delegados, que lidam com a apuração de crimes desta natureza. Opinião, que é compartilhada pelo militante do Movimento Negro, Alberto Jorge Ferreira dos Santos, o ‘Betinho’, advogado que até 2003 presidiu a Comissão de Minorias Étnicas da OAB.

Casos arquivados

Em Alagoas, até o ano de 2001, dos 32 casos encaminhados à justiça pela Comissão de Minorias Étnicas da OAB, cerca de 80% haviam sido arquivados. Segundo ‘Betinho’, o entendimento comum na maioria dos casos foi o de transformar a denúncia de racismo em crime de injúria ou difamação.

O advogado que até 2003 acompanhou 56 denúncias de racismo pela OAB, atua na defesa de vítimas de discriminação racial desde 1997, possui cinco casos em tramitação, um deles ainda em fase de inquérito policial. Betinho estima já ter representado mais de 60 pessoas. “Aproximadamente 85% destes casos foram arquivados sob a alegação do Ministério Público de falta de provas”, diz, anunciando que pretende pedir a revisão de quase todos os processos.

A comissão da OAB, antes presidida por Alberto Jorge, hoje está sob a competência do presidente da Comissão de Direitos Humanos, Narciso Fernandes, que reconhece a ausência de uma rede organizada de informações sobre crimes de racismo no Estado.

“As denúncias que registramos na comissão estão diluídas. Não há por parte do Ministério Público Estadual ou Federal, dados sistematizados a respeito”, afirmou o advogado, reconhecendo a fragilidade do sistema de informações.

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