Ex-deputado fala sobre detalhes da Era Collor

O ex-deputado federal Cleto Falcão se encontra hoje distante da Câmara Federal, mais ainda é uma memória privilegiada cheia de folclores políticos que permeia uma época da História do Brasil que nunca foi bem explanada de fato: a Era Collor. Para Falcão, as meias-verdades contadas a meia-luz ainda são conseqüência da “carga emotiva” que aquele tempo traz.

“Aquela fase, em que o Collor foi presidente, só poderá ser bem contada quando acabarem os resquícios da emoção. Quando só sobrar a razão. Eu penso em escrever um livro sobre o período em que vivi, mas é necessário dar tempo para que os fatos percam a carga emotiva”.

Para quem não se lembra, Cleto Falcão era o líder da bancada do então presidente Fernando Collor de Melo, em Brasília, num projeto que os íntimos chamavam de Reconstrução Nacional, tanto que fundou o pequeno PRN. Sigla criada para eleger Collor. “Sempre fui do PMDB. Mudei de partido por conta do projeto. Acreditávamos que mudaríamos o país, que faríamos uma faxina, mas o ex-presidente traiu este projeto”.

Cleto Falcão fala de Fernando Collor de Melo sem mágoas, mas diz que o presidente “perdeu o bonde da história”. “Se eu fosse ele não me candidatava a mais nada. O Collor como candidato não tem mais o que acrescentar. Agora, como ser humano, gosto muito dele. Possui virtude que muitos homens públicos não sustentam, como a capacidade de perdoar”, destacou.

No inicio da conversa, o ex-deputado e escritor de cinco livros avalia que Collor caiu “pela arrogância e pela vaidade. Foi seu pior pecado. Ele não negociava com o Congresso Nacional. Era imperialista com a imprensa. Foi natural a queda. O Collor errou logo de saída, quando confiscou a poupança. Ele quebrou uma promessa. Aliás, o ex-presidente foi uma promessa não cumprida”.

No dia do impeachment (29 de setembro de 1992), o líder da bancada Cleto Facão votou a favor da saída de Collor. “Estava decepcionado. Não decidi naquele dia. Já tinha pensado. O Governo Collor acabou da forma mais triste que poderia ter finalizado”. Indagado sobre corrupção no governo, Falcão diz que “se ouvia falar, no Congresso Nacional, sobre um esquema montado com o setor produtivo privado, mas não com os deputados federais, como hoje em dia no governo Lula”.

“Era muito difícil ser líder da bancada. O Collor não me dava poder de decisão. O líder, além do entrosamento, necessita de poder político para discutir com os aliados. Coisa que eu não tinha porque o Collor desprezava o Congresso Nacional. Agora, por meio do Paulo César Farias, havia acordos com os empresários. Mas eu estava distante disto. Não passava dinheiro pelas minhas mãos. Nunca fui rico como nunca passei necessidade”, destaca Cleto.

O ex-deputado, que atualmente mora em um apartamento de classe média, em Maceió, nega que tenha participado de qualquer esquema ilícito no governo Collor. “Eu nunca fui acusado formalmente, nem fui chamado por qualquer CPI. As revistas nacionais citavam coisas porque começaram a agredir todos os que participaram do Governo Collor, tanto que usavam o termo pejorativo República das Alagoas por puro preconceito contra nordestino, já que em todo governo há indicações de cargos a pessoas próximas e de confiança, por conseqüência, da terra natal do presidente”.

Os empresários

O esquema entre o governo Collor e o setor produtivo citado por Cleto Falcão teve início ainda na campanha presidencial, em 1989, quando o ex-deputado, Paulo César Farias e o próprio Collor formavam comitivas para capacitação de recursos de campanha. Guardando as proporções, o ex-presidente teve uma das campanhas mais caras da história.

“Não sei se houve sobra de campanha. Não lidava diretamente com o dinheiro. O PC fazia isto. Agora, nunca faltou grana. Tivemos uma campanha folgada. Os empresários investiram maciçamente. No entanto, não era no Collor que estava sendo aplicado o dinheiro, mas sim na campanha antilulista, já que o Lula era o outro candidato com condições de chegar à Presidência da República”, explica Cleto Falcão. “Quando o governo caiu, os empresários foram os primeiros a negar os investimentos em Collor. O Antonio Ermírio do Moraes foi um deles”, complementa.

Um dos casos

Conforme Cleto, numa tarde de agosto de 1989, dois Opalas Diplomatas pretos cortavam as ruas de São Paulo em alta velocidade. No carro da frente, iam Leopoldo Collor e Paulo César Farias. No outro veículo, estavam Cleto Falcão e Fernando Collor de Melo. Nesta época Falcão era deputado estadual.

De acordo com Cleto Falcão, a alta velocidade se justificava por uma fuga. Os Opalas eram perseguidos pela Folha de São Paulo, que enviara um fotógrafo para sacramentar o encontro com o “rei da soja”, Olacy de Moraes e o empresário Antonio Ermírio de Moraes. Após deixar para trás a equipe da Folha, os dois carros entraram numa mansão. Depois de doses de uísque, Collor fez um balanço da luta contra Lula e Brizola. O silêncio tomou conta da casa.

Segundo Cleto, Moares haveria dito: “Não quero ser o responsável por colocar na Presidência da República um sujeito despreparado como Lula, ou irresponsável como Brizola. Por tudo isso, governador, aceite isso como ajuda”. Foi entregue um cheque de UU$ 3 milhões ao coordenador de finanças Paulo César Farias. “Depois da derrubada de Collor, Ermírio disse que não conhecia o PC”, sentencia Falcão.

A história narrada está presente também no recente livro de Cleto Falcão, Dez Anos de Silêncio. Um dos cinco compêndios com os folclores políticos vividos por Falcão, que hoje trabalha em três obras ao mesmo tempo, que devem ser lançadas até o final de 2010. Nelas contêm segredos sobre os bastidores do poder.

Amigos e política

Como resquícios da época, Cleto Falcão diz que “amigos e política não combinam muito”. “Engana-se quem pensa que se faz amigos na política. Há alianças, conveniências. A diferença entre aquela época e hoje é que havia esquerda e direita. Agora, só o poder econômico vale. Não se elege mais um deputado, se compra a cadeira. Havia poder econômico naquela época, mas não era o único fator. Os amigos que fiz seguem dentro ou fora da política”.

Segundo Cleto Falcão, muitos destes amigos são lideranças políticas atuais que já lhe confessaram: “Cleto queríamos você como deputado, mas você não possui dinheiro”. O ex-deputado suspira e acrescenta que se tivesse dinheiro concorreria às eleições sim. “O povo alagoano ainda lembra de mim. Há quem pense que ainda sou deputado”.

O comportamento do presidente

Ao analisar o comportamento de Collor na presidência, Cleto Falcão compara o ex-presidente a uma esfinge. “Quando penso em Collor lembro da frase, ‘decifra-o ou ele te devora’”. Além de enigmático, Falcão coloca ainda que “o declínio de Collor se deu por imponência, vaidade e imaturidade”.

No entanto, enxerga pontos positivos na Era Collor. “Não houve esta relação de promiscuidade que existe hoje no Congresso Nacional. Faltou relação do Executivo com os outros poderes, mas não foi esta corja de corrupção que está aí hoje. O que acontecia com o setor provado era uma troca de benefícios da qual sabíamos de ouvir falar. Mas, por conta de suas ações, o presidente foi perdendo o apoio dos deputados, da mídia e da sociedade. Ele tratava todos de forma imperial”.

Para Cleto Falcão, a Era Collor foi uma decepção e “o inverso da promessa de uma faxina ética no cenário da política brasileira”. “Collor chegou a pedir que não votassem em Lula porque ele confiscaria a poupança do povo brasileiro. Quando ganhou, o que foi que ele fez? Estas coisas me afastaram e por isso votei pelo impeachment”.

O presente

O ex-deputado – apesar de distante da vida política – é filiado ao Partido Liberal (PL), segundo ele mesmo, não pelas ideologias do partido, mas por conta de ter amigos por lá. “Não há ideologia hoje em dia. Não existe mais isto. Eleição é dinheiro. Hoje em dia temos um empresário que tenta a todo custo comprar a cadeira de governador de Alagoas. Não há mais a menor sensibilidade social. Do outro lado do campo político de Alagoas, um projeto socialista que faliu”.

No cenário nacional, Cleto Falcão é um dos que acredita que o Partido dos Trabalhadores faliu. “Foi a maior farsa histórica e política de todos os tempos. Fabricou-se, no Brasil, uma sensação de mudança que de fato não existiu. No fim, são pessoas sem projeto, mas movidas por interesses e questões pessoais. Lula carrega todos os vícios dos demais governos corruptos. Agora, a imagem dele é mais forte que a do partido, mas o PT hoje é desmoralizado”.

Ao avaliar sua situação hoje, o ex-deputado – que já fez parte da bancada mais importante deste país – diz que “foi vítima da ingratidão”. “Impulsionei muita gente, mas não guardo mágoas. É a condição humana, já que somos políticos por natureza”.

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