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Bispo Filho

Bispo Filho é Administrador de Empresas e Estudante de Jornalismo.

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Dependência química na adolescência: direito ao tratamento em comunidades terapêuticas é garantido pela Justiça Federal

Atualmente, não há mais qualquer dúvida da magnitude do problema representado uso de drogas em todo o mundo. Os prejuízos não se circunscrevem à seara individual do usuário ou dependente, afeta a família e, por fim, toda a sociedade, com impacto nos sistemas de saúde, segurança pública, educação, assistência e previdência social. Tais perdas caracterizam os chamados custos sociais, representado pelos gastos públicos relacionados à repressão ao tráfico, tratamento, cuidados, bem como os danos econômicos decorrentes da perda de capacidade laboral e produtividade.

Eric Patrik Lopes Almeida – Quirino Cordeiro – Cláudia Gonçalves Leite 

O “Relatório Mundial sobre Drogas 2020”, produzido pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) reconhece que aproximadamente 269 milhões de pessoas usaram algum tipo de droga no mundo em 2018, o que representa um incremento de 30% em comparação com o ano de 2009.

Outro recorte do atual panorama é ainda mais preocupante, pois diz respeito ao aumento do consumo de substâncias psicoativas entre adolescentes e população jovem e a experimentação sendo cada vez mais precoce.

A situação peculiar de desenvolvimento biopsicossocial dos adolescentes, além de demonstrar a necessidade de atuação especialmente focada nesse público e nos fatores de risco ao uso de drogas, exige o desenvolvimento de estratégias para o enfrentamento do problema já instalado e sobretudo a eliminação ou mitigação dos prejuízos, a exemplo de altos índices de evasão escolar, fragilização e rompimento de vínculos familiares e sociais, comportamentos de risco no âmbito sexual, bem como a exposição à criminalidade violenta e outros crimes.

Desse modo, na perspectiva do tratamento e cuidado, a complexidade e multifatoriedade da dependência química na adolescência, determina que a confrontação desse agravo de saúde com repercussões sociais seja desenvolvida nas mais diversas frentes com disponibilização de variadas abordagens terapêuticas, buscando sua customização à necessidade do usuário e dependente. No caso do adolescente, além da diversificação, as ofertas terapêuticas devem ter em conta a sua singularidade.

Ressalte-se que com relação aos adolescentes, a estratégia de tratamento deve necessariamente focar na promoção e manutenção da abstinência, já que inexiste limiar de segurança para o uso de álcool e outras drogas nesse público.

​Dentre as diversas espécies de estratégias ou abordagens terapêuticas, cumpre mencionar o acolhimento realizado em comunidades terapêuticas, caracterizado pela adesão e permanência voluntárias, transitoriedade e oferta de ambiente saudável, livre de drogas e propício à formação de vínculos pela convivência entre os pares.

​Referidas entidades, atuantes no Brasil há mais de 50 anos, surgiram na esteira da ineficiência da atuação estatal, sendo atualmente relevantes parceiras na implementação na política sobre drogas.

​As comunidades terapêuticas contam com sólido reconhecimento legal e normativo. Em 2015, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD, por meio da Resolução 01, de 19 de agosto de 2015, estabeleceu o marco regulatório das comunidades terapêuticas, fixando os requisitos e exigências gerais quanto ao funcionamento das referidas entidades, os direitos dos acolhidos, bem como normas atinentes à realização do acolhimento.

Cite-se, na mesma linha, a aprovação da Nova Política Nacional sobre Drogas, instituída pelo Decreto 9.761, de 11 de abril de 2019, que reconhece as comunidades terapêuticas como equipamentos de cuidado e tratamento às pessoas com problemas decorrentes do uso e abuso de substâncias psicoativas. Além disso, a Lei 13.40, de 5 de junho de 2019, alterou a Lei de Drogas para tratar expressamente das comunidades terapêuticas acolhedoras (art. 26-A).

​Apesar de todo o regramento definido na Resolução CONAD 01/2015, a necessidade de tratamento diferenciado a ser ofertado aos adolescentes, a própria norma previu a edição de norma específica consentânea com as necessidades e peculiaridades desse público especialmente vulnerável ao uso de drogas.​

​Assim, em 2020, o CONAD, órgão superior permanente do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas – SISNAD, instituído pela Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), editou a Resolução 03/2020, tratando especificamente do acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas. Cite-se que o CONAD conta com representação dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública, da Cidadania, da Defesa, das Relações Exteriores, da Economia, da Educação, da Saúde, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e representantes dos órgãos estaduais responsáveis pela política sobre drogas e dos conselhos estaduais sobre drogas. Integram o CONAD, ainda, a Comissão Bipartite, composta por representantes da União e das 27 Unidades da Federação, e o Grupo Consultivo, que conta com especialistas na redução da demanda e na oferta de drogas indicados pela sociedade civil.

​Cumpre destacar também a efetiva participação da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, instância responsável pelas políticas de promoção, proteção, defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente, que emitiu a Nota Técnica 49/2020, em conjunto com a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania.

​A Resolução CONAD n.º 03/2020 traz em seu bojo normas que contemplam as garantias aos direitos do adolescente, em plena conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente, obrigando as instituições a se adequarem e sujeitando-as à fiscalização mais rígida do Poder Público, sobretudo ao exigir a necessária comunicação de acolhimento e desligamento do adolescente ao Conselho Tutelar, à Vara da Infância e da Juventude e aos equipamentos de proteção social — Assistência social e Saúde. Além disso, a instituição deverá proceder o seu registro no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

​A Resolução 03/2020 está em plena sintonia com as normas protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, cumprindo ao mesmo tempo mandamento de ordem constitucional, qual seja, da proteção integral ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins, insculpido no art. 227, §3º, VII da Carta Magna.

​Ocorre que, antes mesmo de decorrido o prazo de adaptação (vacatio legis), fixado em 12 meses, em Ação Civil Pública proposta pela Defensoria Pública da União no Estado de Pernambuco, juntamente com as Defensorias Públicas Estatuais dos Estados de Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Paraná, o Juízo da 12ª Vara Federal de Pernambuco acolheu o pedido da Defensoria Pública da União, determinando, em caráter liminar:

​a) a suspensão dos efeitos da Resolução nº 3/2020 – CONAD e, por tal motivo, a suspensão do acolhimento de qualquer adolescente no âmbito das comunidades terapêuticas de todo o país;

​b) o desligamento dos adolescentes atualmente acolhidos, no prazo de 90 (noventa) dias (salvo se lá estiverem por força de alguma decisão judicial), devendo o Ministério da Saúde assegurar o regular atendimento de tais jovens, à vista do teor de sua Portaria de nº 3.088/2011/MS, que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), portaria esta voltada, precisamente, ao atendimento de pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas;

​c) a suspensão de financiamento federal a vagas para adolescentes em comunidades terapêuticas, ressalvado o custeio necessário à manutenção dos adolescentes mencionados no tópico anterior, exclusivamente quanto ao período necessário até seu desligamento.

​A decisão liminar, além de representar indevida ingerência do Poder Judiciário na execução de políticas públicas, seria responsável por sérios prejuízos aos adolescentes acolhidos, suas famílias e à toda a comunidade. Além disso, teria como causa imediata a desassistência a eventuais demandantes dos serviços prestados pelas comunidades terapêuticas.​

​Contudo, a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas – SENAPRED, do Ministério da Cidadania, por meio da Advocacia Geral de União, consegui reverter a decisão liminar perante o Tribunal Regional da 5ª Região.

​Assim, houve a suspensão da decisão liminar de primeira instância, o que representa a plena vigência da Resolução CONAD 03/2020 e um grande marco na política sobre drogas no país, já que pela primeira vez o governo federal trata com a importância devida o sério problema representado pelo uso de drogas entre a população jovem.

​Registre-se que essa conquista se deve ao trabalho conjunto entre governo federal e as entidades da sociedade civil que atuam na área, como a Cruz Azul no Brasil, Instituto dos Juristas Cristãos do Brasil (IJCB), Confederação do Amor Exigente, Obra Social Nossa Senhora da Glória Fazenda da Esperança, dentre outros parceiros.

​Vale registrar que, conforme expresso na própria Resolução, o acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas, não possui qualquer primazia com relação às demais estratégias. Pelo contrário, busca o fortalecimento da rede de atenção e cuidados, com determinação de atuação coordenada com os demais equipamentos da rede de saúde, educação e assistência social.

​Além disso, não se pode negar a existência de grande demanda por serviços extra-hospitalares especializados em dependência química e que a inércia estatal permite o agravamento do quadro de consumo e dependência de substâncias psicoativas entre adolescentes.

​Portanto, a suspensão da decisão liminar e consequente entrada em vigor da Resolução CONAD 03/2020, representam um marco na efetiva implementação da Política Nacional sobre Drogas, sobretudo sob o prisma das ações efetivas voltadas a esse público especialmente vulnerável ao uso de álcool e outras drogas, proporcionando-lhe o direito à saúde, em sua máxima dimensão, e à vida.

Texto elaborado por:

– Cláudia Gonçalves Leite – Diretora de Prevenção, Cuidados e Reinserção Social da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania;
– Eric Patrik Lopes Almeida – Coordenador-Geral de Gestão de Parcerias e Instrumentos de Repasse da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania;
– Quirino Cordeiro – Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania.

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