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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

É fantástico

Lembro-me como antigamente o mundo era extraordinário e misterioso. Ao cada fim de domingo, éramos brindados com as mais variadas teorias conspiratórias e pseudocientíficas da época, através do programa Fantástico, especialista nesse tipo de assunto. Então após os Gols da Rodada eu ia dormir com a cabeça cheia de histórias de espíritos que voltavam para assombrar os viventes, disco voadores avistados nos campos, mares e montanhas, seres fantásticos que habitavam o fundo do mar, florestas e casas abandonadas – fora histórias de lugares mal-assombrados, milagres impossíveis e pessoas com poderes sobrenaturais, capazes de mover objetos e adivinhar o futuro. Numa época muito analógica onde a tecnologia ainda dava seus primeiros passos, o acesso à informação era parco e concentrado a poucos veículos, que praticamente pautavam nossas crenças e verdades.
Em todo programa apareciam especialistas com seus relatos impressionantes e gente que jurava ter vivido experiências incríveis. Então eu cresci acreditando que a qualquer momento eu também seria brindado com alguma aparição espantosa , seja na terra, no mar, no céu ou no canto escuro do meu quarto – afinal, o mundo era surpreendente, desconhecido e encantado, habitado por seres fantásticos – humanos ou não.
Recentemente, estava lendo uma reportagem sobre como esses mitos estavam perdendo a relevância com o advento da tecnologia. Nossos jovens conectados já não eram mais tão crédulos e ingênuos como éramos antigamente, pois tinham acesso a praticamente toda informação e conhecimento da humanidade. A matéria seguia dizendo como, por exemplo, a Ufologia – o estudo dos OVNI – estava cada vez mais fora de moda. E por que isso aconteceu? Bem, hoje praticamente todo ser humano carrega consigo uma câmera de foto e vídeo de alta resolução nas mãos, capaz de registrar qualquer eventual aparição – de um disco voador ao chupa-cabra, da loira do banheiro a um Uri Geller da vida – e isso fez toda diferença.
Vários ufólogos e outros propagadores das suas próprias verdades incríveis, carregavam consigo evidências toscas, desfocadas e de baixíssima qualidade como prova de suas crenças. Hoje a profusão de fotos e vídeos do mundo, registra muito pouco ou quase nada desses fenômenos. Acabou-se o disco voador sobre a plantação na noite sem lua e a menina que fazia objetos flutuarem – ou o homem de preto na porta do cemitério e até a criatura peluda que assustava os moradores da pequena cidade. Acabaram-se também nossos antigos medos e nossa visão ingênua e assombrada em relação ao mundo. Infelizmente, foi junto com ela também a fantasia e, sobretudo, o encantamento. O que sobra agora é a dura realidade nas imagens frias, cruéis e praticamente incontestáveis. Temos a sensação de que já vimos tudo e o que nunca foi captado por alguma câmera, é porque simplesmente não existe. Porém, restou-nos o alento do pensamento religioso que, felizmente, é inerente ao ser humano. Ali nos reservamos o direito que acreditar mesmo sem imagens e esperar que a qualquer momento algo espantoso e fantástico finalmente aconteça.
Já os ETs, almas penadas, lobisomens, monstros aquáticos e outros avistamentos populares, sobreviviam no imaginário somente enquanto os relatos eram contados boca a boca; todavia sucumbiram ante o onipresente registro digital dos celulares, prontos para serem sacados diante de qualquer acontecimento – mesmo que seja uma mera briga de vizinhos ou mesmo o estouro de uma barragem.

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