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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Mão e alma leves

Foi muito leve e ao colocar a mão no bolso percebi que ele estava vazio. Virei-me para o suposto ladrão que acabava de furtar meu celular em pleno bloco Pinto da Madrugada e segurei-lhe pelo braço. Ele cinicamente esvaziou os bolsos e provou estarem vazios. Sabia que  havia sido ele, mas não tinha como provar – certamente já havia passado adiante num piscar de olhos para os comparsas de sua equipe maldita.
Tentei ainda  curtir a festa, mas sabia que teria um transtorno gigantesco dali em diante – e olha que a perda do aparelho propriamente dito seria o menor deles – o conteúdo sim, me seria danoso pessoalmente e profissionalmente – afinal, não sabia o que estava guardado efetivamente “na nuvem”, naquela manhã ensolarada sem uma nuvem sequer.
Antigamente, quando perdíamos a carteira ou esta nos era roubada, o dinheiro era o que importava menos – naquela época pré-informática e excessivamente burocratizada, a maratona de tirar os documentos sumidos era desesperador. Os órgãos públicos eram bagunçados e ineficientes. Percorreríamos cartórios, delegacias, bancos, departamentos de trânsito e institutos de identificação a fim de recuperar cada perda sofrida, tomando-nos tempo, dinheiro e aborrecimento – fora aquelas pequenas e preciosas fotos 3×4 que carregávamos com tanto carinho nos bolsinhos laterais das carteiras. Hoje quase tudo é feito on line e os transtornos são bem menores e as pequenas fotos são guardadas nos celulares, pen drivers, notebooks, PCs e até na nuvem lá no céu.
E por falar em fotos, celulares e nuvens, causava-me apreensão e angústia a cada lembrança que me vinha em flashs de fotos que poderiam estar perdidas para sempre, além de contatos, registros, conversas salvas com informações e conteúdos profissionais, senhas, músicas, vídeos e outras dezenas ou centenas de pecinhas que compunham minha vida recente e que haviam sido levadas sorrateiramente por um maldito mão-leve.
Bem, diz o ditado que “chapéu de otário é marreta”, então tentei aceitar resignadamente a consequência por ter sido tão desatento e besta por ter levado o celular para o bloco, e principalmente de não tê-lo guardado adequadamente – perdeu, playboy…
Porém, em seguida pus-me a refletir como chegamos a esse ponto onde carregamos tanta informação pessoal em algo tão pequeno, tão frágil e tão fácil de perder ou ser roubado. Há bem pouco tempo, perder um celular significava apenas perdemos a agenda de telefones – o que não era pouco, mas nada comparável às perdas de hoje. Lamentávamos o alto custo do aparelho, mas ainda assim tentávamos conseguir vantagens com nossa operadora para a compra de um novo. Hoje metemos o cartão para cima para absorvemos melhor a pancada financeira e focamos nas perdas do que guardamos em poucas polegadas quadradas de metal, plástico e vidro -na  verdade, vamos acumulando pedaços importantes de nossa vida nesses aparelhinhos e com isso aumentando paulatinamente nosso apego ao pequeno objeto.
Finalmente, após o relato um tanto dramatizado do incidente ocorrido, atenho-me ao ponto que queria chegar: o apego excessivo a tantas coisas que talvez nem sejam tão importantes assim. Para atenuar a angústia que estava tomando conta de mim, já em casa e com um celular novo e quase virgem na mão, tentei desapegar-me de todo aquele conteúdo supostamente tão importante para mim – àquela altura, ainda não havia recuperado a conta que iria inundar meu pequeno celular novo com as informações do antigo, fazendo chover magicamente da nuvem para o aparelho. Aquelas horas me fizeram refletir sobre o que era realmente importante e o que não passava de bobagens e penduricalhos digitais muitas vezes nem tão relevantes  assim, numa versão high-tech do famoso ditado “vão-se os anéis e ficam-se os dedos”.
A partir de então, jurei que não iria mais apegar-me a todo aquele conteúdo, nem mesmo ao aparelho de custo expressivo, pois não julgo prudente carregar comigo  algo tão valioso,  que me faça  titubear na hora de entregá-lo a um assaltante sob a mira de uma arma. Se nossos carros têm seguro e não hesitamos em saltar para fora num eventual assalto, com nossos celulares devemos fazer o mesmo. Nesse caso, um providencial backup na tal nuvem virtual é algo que se faz necessário e foi o que me tranquilizou ao ver num passe de mágica todos os conteúdos e configurações de volta. Comecei então a rever tudo que ali estava e fui me dando conta do excesso de bobagens que guardava, tal qual fazia em meu criado mudo, com a desculpa esfarrapada de “um dia posso precisar”.
Mas, confesso que aquele dia inteiro desprovido das coisas que guardava com tanto apego e desleixo, me fizeram pensar como tudo realmente é passageiro e efêmero. Hoje temos e amanhã “puff”, simplesmente desaparece e o mundo continua a girar em torno do Sol – felizmente.
Então naquela manhã ensolarada de sábado, onde senti apenas o meu bolso ficar mais leve, tentei tornar-me mais leve também. Porém, não custa nada numa próxima vez, deixar o celular em casa ou enfiá-lo bem fundo num bolso maior – ah, nem esquecer  de  ter um bom pacote de armazenamento na nuvem.

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