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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Piso preto e branco

Há muitos anos li um texto muito interessante do polêmico Diogo Mainardi que me impactou bastante.  Ele relatou que certa vez precisou ir num hospital em Veneza, onde reside há muitos anos, a fim de  buscar um exame importantíssimo sobre o qual havia uma grande expectativa quanto ao resultado.

Então ele relata que enquanto aguardava, vivera momentos angustiantes -a grande espera e a ansiedade, o fizeram levantar-se  da poltrona da recepção e caminhar impacientemente pelo saguão principal do hospital a fim de aliviar a tensão. Movendo-se para lá e pra cá, os minutos se arrastavam e o tempo parecia não passar. Então para se distrair,  começou a pisar apenas nas cerâmicas pretas do piso do hospital que parecia um imenso tabuleiro de xadrez -caminhava devagar e disciplinadamente por  sobre as pedras escuras ,  evitando cuidadosamente pisar sobre as brancas.  Acontece que após algum tempo, aquela  pequena distração despretensiosa começou a incomodá-lo -o temor e cuidado  em não pisar sobre as brancas foi aumentando a tal ponto,  que ele  acabou sendo tomado, aos poucos,  pela ideia que um pequeno deslize na pisada seria capaz de interferir no resultado do aguardado exame.

  A partir daquele momento, caminhar sobre aquelas pedras pretas e evitar a todo custo as brancas passara a ser algo estressante e vital, fazendo com que aquele ingênuo TOC acabasse aumentando ainda mais sua tensão naquela manhã insólita em Veneza, tornando-o sem perceber,  escravo daquela  ideia da qual não conseguia se libertar.  Assim ele percebeu que aquele piso xadrez  passara  a ser a sua religião -bastava um pequeno deslize nas regras preestabelecidas -ou nos dogmas- para que,  ao abrir o envelope, o resultado seria o pior possível -naquele  momento ele se deu conta  que,  para ter um resultado positivo no exame, ele  mataria um carneiro ou subiria as escadarias do hospital de joelhos.
  Diogo Mainardi constatou naquele dia que mesmo ele, um agnóstico de carteirinha , a depender das condições de temperatura e pressão, também sucumbiria a crenças e rituais exóticos por temor a castigos divinos.
-“Melhor  não arriscar” -certamente ponderou.  Vai que …
Na verdade, essa história nos mostra claramente que uma mente fragilizada emocionalmente é capaz de tornar-se vítima de algo que lhe dê algum tipo de conforto e redenção -até na política vemos isso acontecer.
Seguir padrões imaginários ou desafiar o bom senso a fim de evitar que algo ruim nos aconteça, é o celeiro ideal para o cultivo de superstições, crenças e religiões -algo parecido com a sandália havaiana virada de cabeça para baixo.
Essa história acima relatada muito me impactou à época , pois mostra que, em certos momentos,  deveríamos ser mais vigilantes quanto aos nossos pequenos pensamentos aparentemente inócuos, pois os mesmos, sob forte tensão emocional,  tendem a tomar corpo, até virar algo nefasto para nós mesmos e até para os outros.
Quando mais jovem, lembro que tive uma pequena coleção particular de TOCs, manias e superstições para que meu pais não morressem de repente. Porém, doce  mesmo é a sensação libertadora de dispensar todos esses vínculos malucos e caminhar por sobre pedras pretas, brancas e seus rejuntes.
Confesso que só não consegui ainda foi libertar-me da maldita sandália Havaiana.
Vai que…

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