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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Tortura

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Estava numa viagem fora do país quando resolvi entrar num museu que exibia à época uma exposição de instrumentos de torturas medievais. Não, não é por eu ser dentista que eu tenho um lado sádico apurado o qual tenho que eventualmente alimentar, muito pelo contrário, sempre compadeço-me do sofrimento alheio com alguma facilidade, mas minha mente curiosa instigou-me a conhecer uma das piores e mais tenebrosas invenções do homem, que o faz provocar dor e sofrimento a outro ser humano em escalas inimagináveis – seja lá por quais razões.
O ambiente era intencionalmente lúgubre para que houvesse um clima de desconforto e dramaticidade, no qual adentrei já me preparando para o que iria encontrar. Os instrumentos ali expostos representavam toda genialidade e criatividade maléfica humana construídos, sobretudo, em madeira e ferro, com o objetivo de extrair as maiores dores e sofrimentos possíveis de homens e mulheres da época. Era a materialização do terror e da indiferença com o semelhante, tendo como finalidade conquistar poder e fazer prevalecer suas verdades. É fácil concluir que as maiores causas de torturas e mortes dolorosas são sempre as mesmas: política e ideologia – quase sempre as duas misturando-se de maneira simbiótica e indissociável.
Não pretendo aqui detalhar os instrumentos geniais em sua malignidade, desenvolvidos e aprimorados com o intuito de esticar articulações, rasgar tecidos humanos e fraturar ossos, sempre da forma mais lenta e sofrida possível, a fim de punir, subjugar e extrair verdades convenientes de uma pessoa, mas apenas ressaltar que, a certa altura, o desconforto nauseante era inevitável, fazendo-me compreender que a morte definitivamente não é a pior coisa que acontece a um ser humano – o sofrimento da dor extrema com certeza o é.
Todos nós estamos fadados a morrer um dia, todavia, infeliz daquele que experimenta, enquanto vive, as dores lancinantes que aquelas máquinas e objetos infringiram um dia a alguém. Enquanto a guia do museu me explicava o funcionamento de cada instrumento ali exposto, fiquei imaginando que nós, seres humanos, sabemos ser cruéis em nossa essência, sem um mínimo de compaixão ante o sofrimento alheio.
A Idade Média foi especialmente recheada de argumentos políticos e ideológicos – a religião aí incluída – para se torturar e matar. Mas, a tortura existe desde o princípio da humanidade e perdura até hoje, seja entre mocinhos e bandidos. O que mudam são apenas os argumentos para se praticá-la. A importância de exposições como essa seria óbvia: fazer com que nós, homens modernos, conheçamos até onde fomos e somos ainda capazes de ir quando acreditamos serem absolutas as nossas verdades.
Mesmo após alguns anos não fui capaz de esquecer as sensações e os pensamentos experimentados enquanto via e ouvia o relato do que milhares, provavelmente milhões de pessoas, passaram nas mãos de ditadores, inquisidores e outros carrascos da época. A tortura reduz um ser humano a apenas um monte de carne, sangue e lágrimas, numa total “coisificação” de alguém, ali completamente subjugado pelos que assistem indiferentes gritos e súplicas angustiantes. Como pode haver tanta maldade?
Bem, ao sair do museu experimentei a luz do sol e sensação de alívio após a repugnante e inesquecível experiência – saber que um dia aqueles instrumentos foram usados sistematicamente e lembrar que até hoje se tortura e mata, nos faz desacreditar um pouco mais na humanidade.
Ao final, percebi que um dos principais instrumentos de tortura era obviamente o próprio museu.

 

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