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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

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Uma das coisas mais importantes que devemos plantar e cultivar em nossas vidas é encontrar e fazer aquilo que nos dá prazer. Trabalhar é bom, necessário e, segundo o ditado, engrandece o homem – mas, refiro-me àquilo que fazemos de graça ou até mesmo pagamos para tê-las em nossas vidas.
Num texto bastante conhecido do administrador Stephen Kanitz, ele afirma que é ilusão escolher nossa profissão para “fazer o que gosta”, sob o risco de se viver pleno por um lado e frustrado por outro. Ele propõe que, em vez disso, deveríamos “gostar do que fazemos”. Então ele conclui dizendo que ninguém o pagaria para ele fazer o que ama de verdade, como ler um livro, viajar ou ouvir música. Portanto, devemos escolher nossa profissão – e gostar dela – para nos dar suporte financeiro e pessoal para, por fim, colocar em nosso dia a dia aquilo que nos enche de felicidade e prazer – o que muita gente chama de hobby.
Raríssimas são as pessoas que são remuneradas para fazerem o que realmente amam. Famosa é a frase de Confúcio que diz “Trabalhe naquilo que você gosta e nunca mais terás que trabalhar”. Mas, e se o que amamos fazer não der dinheiro algum? “Prazer apenas não enche barriga“- dizia minha mãe. E quem faria serviços necessários e degradantes como lavar banheiros, transportar defuntos em rabecão de IML e carimbar documentos das 8:00 às 18:00? Ou será que existem aqueles que se acordam empolgados e vibrantes para mais um dia de trabalho como recolhedor de animas atropelados?
Bem, eu mesmo tenho uma pequena lista de coisas que amo fazer e que não me dão um centavo de lucro – você me lê neste momento graças à realização de uma delas. Em nosso trabalho existe sempre a necessidade do nosso prazer atender aos anseios de alguém que nos pague para exercê-lo, tirando um pouco da graça de fazermos algo apenas para nos inundar de serotonina, dopamina, endorfina e ocitocina – quem o faz sabe do que estou falando.
Para finalizar, escrevo o relato de um amigo dentista como eu, que sempre gostou de fazenda, mas só recentemente adquiriu uma para chamar de sua. Continua exercendo sua gratificante, porém extenuante profissão, mas encontrou no campo aquilo que lhe enche de felicidade pura e genuína. Fiquem agora com a descrição do próprio à mim, relatada do seu ofício de fazendeiro amador:
“Trabalho no consultório na segunda e na terça, mas na quarta de manhã me acordo cedíssimo e começo meu ritual: visto a calça jeans e a camisa de xadrez com um belo cinto de vaqueiro. Calço as botas, ponho meu chapéu e saio de casa em minha caminhonete com o dia ainda clareando. Na estrada aprecio as cores, os odores e a música no carro – tudo isso mais o sabor do café fresquinho que ainda permanece na boca compõem o cenário prazeroso e fascinante daquele início de manhã. Ao chegar na fazenda sou recepcionado por meu caseiro que me passa as demandas e acontecimentos da semana. Montamos nos cavalos e percorremos toda a extensão da propriedade sem pressa, com o sol no rosto e a conversa banal, rural e legal – onde sou ejetado de todas as dores e delícias da minha vida real. Durante a cavalgada, aquele cheiro típico invade minhas narinas e então sorrio pleno de felicidade. Ali sou eu mesmo em toda minha essência e plenitude – não tenho que corresponder expectativas nem traçar grandes metas. Na fazenda faço bastante força, sujo-me de lama e suo mais que meu cavalo – mas sou pura felicidade e entristece-me perceber que o dia passa tão rápido e que está quase na hora de voltar. Meu funcionário me ajuda a encher a caminhonete de macaxeira, abacaxi, mamão, carambola, côco, caju, goiaba e leite. Volto com a caçamba cheia e meu espírito idem com um sorriso nos lábios que não me abandona tão cedo. Já na capital passo no mercado onde deixo parte da minha honrosa e pouquíssima rentável produção que mal paga as despesas semanais, e a outra parte levo para casa, orgulhoso e feliz. Na quinta e na sexta feira estou renovado novo em folha, com a receita da minha semana bipartida do meu escapismo rural, onde recarrego minhas energias bem mais que a caçamba da minha caminhonete.”
Diante da minha pergunta se ele não pretendia fazer disso sua profissão ele responde espantado e bem-humorado:
-Tu és doido? E eu quero estragar isso nunca?

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