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O caminho das estrelas

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Nas sextas feiras a noite, quando Pedro ainda era bem pequeno, tínhamos um pacto de cumplicidade. Ficávamos a sós e aproveitávamos essas oportunidades das mais variadas maneiras, uma delas, olhar as estrelas.

Eu forrava uma colcha no gramado, apagávamos todas as luzes de casa e ele se punha a me explicar o mapa do céu.

Ele me dizia enxergar o Cruzeiro do Sul, as Três Marias ou discorria sobre a Ursa Maior. Já eu, só via guarda chuva, elefantes ou bailarinas.

Não foi difícil entender que havia uma grande diferença entre nossas personalidades, ele se interessava por pontos cardeais, com referências e localizações e eu por sonhos e poesias e pela magia que isso proporciona.

Tínhamos, portanto, duas opções, ou tentar mudar um ao outro, ou aceitar o que somos e aproveitar o que temos em comum. Penso (de forma rápida) que nossa relação ē tão bem sucedida porque soubemos onde podíamos somar, não cometendo o equívoco de julgar como sendo imperdoáveis as diferenças.

Quem nos conhece, e sabe que se trata de uma relação entre mãe e filho, certamente pensa “assim ē fácil”, mas não, tem quem não consegue. Quando olho com mais cuidado para o sucesso dessa equação, confesso que acho tantos outros ingredientes que não dou conta de relacionar.

Tem amor, responsabilidade, determinação, cuidado, verdade blá, blá, blá, mas, sobretudo tem tempo envolvido. Isso acabou por me remeter às possibilidades atuais de afeto, como tudo hoje ē tão rápido, tão passageiro. Necessitamos de respostas, soluções ou prazeres imediatos.

Estou sempre com uma avalanche de suposições rodando a cabeça na tentativa de entender as relações sólidas.

Numa coisa eu acredito, as duradouras nos permitem conhecer o outro por olhares. Minha cara economiza um discurso, mas foi o tempo de dedicação que me possibilitou fazer longas declarações de amor, seja com o preparo de uma refeição, ou vigiando a febre durante uma noite sem sono, que consolidaram o êxito.

Esse balé coreografado, onde sabemos quais passos devemos e podemos dar rumo a um cotidiano tranquilo, amoroso e solidário tem uma imensa doação, não aconteceu de súbito.

Acontece que essa experiência exitosa me remeteu a uma teoria, quase uma fórmula de bolo, se entre duas pessoas há respeito, amor, verdade e tempo dedicados, será uma relação bem sucedida e nem sempre funciona assim.

Sou uma “fofoqueira” qualificada, traduzo a vida alheia pelos valores que trago comigo e saio julgando sem motivo ou propósito, o comportamento humano. Para ser franca uma chatice sem tamanho, mas a intenção é boa, procuro aprender com os exemplos.

Cobro-me coisas importantes como cumprir as leis, pagar impostos, até uma série de tolices como agradecer os favores. Não faço juízo de valor com a vida dos vizinhos, não vigio quem vai ou quem vem, menos ainda o que as pessoas escolhem ser.

Mas quando o assunto ē relacionado a afeto, eita… nem pisco na tentativa vã de entender o que funciona e fico a me perguntar como tais ou quais casais estão juntos, o que os mantém, o que podem ensinar.

Sem nunca ter sido capaz de entender, de verdade, como se dá essa mágica, apesar de até as estrelas terem tentado falando comigo de forma lúdica, sigo adiante, em parte guiada pela estrada que o amor a meu filho vai abrindo, em parte pela esperança que carrego.

Pedro hoje adulto não precisa mais deitar na grama, já aprendeu a se guiar e eu lamento não ter enxergado trilhas as mesmas trilhas que ele.

Dentre as figuras que as estrelas desenham tem sempre um coração, deve ser o meu, cheio de afeto e de certezas capazes de tornar a vida (ou a mim) agridoce e sem nenhuma indicação de rumo, afinal eu que nunca soube mesmo usar uma bússola, pelo menos sei que em algum lugar há um guarda chuva para ajudar a me proteger.

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