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Após redução no orçamento, UnB atrasa contas e diz não ter verba para outubro

Em agosto, universidade não pagou manutenção nos telefones e despesas do Restaurante Universitário; déficit no fim do ano pode chegar a R$ 60 milhões. MEC justifica orçamento maior em 2016 como 'erro técnico'.

G1

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As dificuldades orçamentárias anunciadas pela Universidade de Brasília (UnB) ao G1, em julho, se intensificaram no mês de setembro. Com atrasos em contas e uma série de restrições no orçamento, a universidade diz já não ter recursos para fechar o mês de outubro e prevê, no pior cenário, terminar o ano com déficit de R$ 60 milhões.
Para se adequar a essa nova realidade, a instituição tem diminuído gastos, como água e energia, adiado despesas que não são consideradas urgentes e reduzido os contratos com as empresas terceirizadas, que representam 75% do orçamento de custeio. Sindicatos estimam que mais de 200 pessoas já foram demitidas.
Um dos trabalhadores da limpeza, que pediu para não ser identificado, disse ao G1 que o trabalho ficou mais pesado após as mudanças com o contrato da limpeza.
“Ficou pior porque tirou gente e aumentou o serviço. Agora eu varro a área de um setor onde trabalhavam 5 pessoas. Tem gente vindo trabalhar até doente com medo de ser cortado.”
Mesmo com todos esses ajustes, a previsão de gastos para este ano ainda é de R$ 221 milhões. A universidade prevê que a verba de custeio não será suficiente para manter as atividades até dezembro.
“Custeio” é o nome dado ao recurso utilizado para a manutenção, enquanto a verba de “investimento” ou “capital” é aquela para adquirir equipamentos e fazer investimentos em estrutura. Além disso, eles ainda são divididos entre o que sai do governo – Fonte Tesouro – e o que é arrecadado pela própria universidade – Fonte Própria.
A nova gestão, conduzida pela reitora Márcia Abrahão, assumiu a UnB em novembro de 2016, quando a previsão de orçamento do Tesouro para manutenção já havia diminuído 40% – de R$ 219 milhões em 2016 para R$ 136 milhões em 2017.
Ao G1, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que o orçamento em 2016 foi superior à média devido a um “erro técnico” e, por isso, “não houve cortes”. A UnB afirma, no entanto, que o valor destinado em 2016 “não é compatível com os gastos da universidade”.
Dívidas e ‘malabarismo orçamentário’
Em agosto, a instituição não conseguiu pagar as despesas de gestão do Restaurante Universitário (RU), serviços de Apoio e Copeiragem e manutenção de rede telefônica. Em entrevista ao G1, a decana de Planejamento e Orçamento, Denise Imbroisi, afirmou que tem feito “malabarismo orçamentário” para fechar as contas.
Ela explica que esses atrasos ocorrem porque o MEC só tem repassado 60% do recurso para pagamento do valor liquidado, ou seja, quando o serviço já foi realizado, mas não foi pago.
“A gente precisa fazer malabarismo para pagar a quem a gente está devendo. Pagamento de bolsistas é a prioridade, mas se pagar 100% para os bolsistas alguém fica sem receber, sempre ficamos devendo.”
O MEC afirma que no início de setembro repassou 100% desse valor. O coordenador-geral de Planejamento e Orçamento das Instituições Federais de Ensino, Weber Gomes de Souza, explica que os repasses se dão de acordo com o nível de arrecadação da União. Segundo ele, com gestão desse fluxo de 60% é possível arcar com as pendências.
“Esse pleitos de colapso não condizem com a realidade, é possivel, sim, administrar. Não vislumbramos nenhuma interrupção de serviços. Esse fluxo financeiro depende da arrecadação da União.”
Por nota, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) contestou essa posição. A entidade afirma que os repasses de 60% geram ônus às universidades.
“A situação financeira, com dois repasses ao longo de cada mês, inferiores a 60% da despesa liquidada, traz ônus de grande magnitude às instituições, levando à perda de confiabilidade por parte de nossos credores, ao pagamento de multas e juros, além de obrigar as instituições a selecionar quais despesas pagar, fato inaceitável.”
Há solução?
Para fechar o ano, a UnB diz que precisa do apoio do Ministério da Educação em três aspectos: autorização para mudar a destinação de alguns recursos do investimento para pagar a manutenção, liberação de toda a verba de investimento e de custeio e aumento da autorização para usar o que arrecada.
“Sem isso, o impacto seria gravíssimo. Por exemplo, eu teria que informar para as empresas que não vou poder autorizar a despesa com ela, então não vai poder ter empresa terceirizada, não vou poder autorizar a compra de um equipamento, não vou autorizar que se tenha crédito para pagar luz. Eu só posso fazer despesa se eu tiver orçamento”, declarou a decana Imbroisi.
De acordo com o MEC, a UnB ainda tem R$ 60 milhões para empenhar neste ano e não fez uso. A universidade afirma que esse recurso “não está sobrando” e será usado ao fim de processos licitatórios.
Entenda ponto a ponto
Existe, mas não pode ser usado
Do valor previsto no orçamento, nem tudo pode ser usado. Em março, o governo anunciou o contingencimento de R$ 3,6 bilhões de despesas diretas do MEC. Isso refletiu, entre outros pontos, em uma diminuição de R$ 249 milhões na verba repassada para as instituições federais no primeiro semestre.
Atualmente, o limite do custeio para as universidades federais é de 80% e de investimento é 50%. Esse limite pode chegar a 100% até o fim do ano, como ocorreu em 2016. Para cumprir o Orçamento desenhado para 2017, o MEC precisa alcançar, no mínimo, 85% de custeio e 60% de investimento.
A Andifes defende que, para manter o funcionamento mínimo das instituições, é indispensável a liberação de 100% desses limites. Já a UnB diz que, se não houver essa liberação, a universidade não tem condições para manter o funcionamento até o fim do ano.
Alterações orçamentárias
A UnB já apresentou pedido ao MEC para aumentar o orçamento de custeio. Contudo, a pasta informou que, para ter aumento, deve haver redução em outra área para “não descumprir os limites prudenciais” definidos na Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou seja, o aumento de orçamento da UnB implica na redução de orçamento de outra universidade, com o objetivo de manter o equilíbrio de gastos da pasta.
Após a negativa, a UnB apresentou pedido para mudança de crédito de investimento para custeio, com a finalidade de dar fôlego às contas. Esse pedido ainda está em análise.
“Infelizmente, pedimos o remanejamento de R$ 5 milhões que estavam previstos para investimentos. É lamentável que deixemos de investir na universidade para pagar despesas de custeio”, afirma a decana de Orçamento.
Autorização para usar tudo que arrecada
A Universidade de Brasília arrecada verba por meio da execução de projetos, aluguel e pagamento do Cebraspe por usar o patrimônio da universidade. Mas o uso desse recurso que a universidade arrecadou, o chamado orçamento de Fonte Própria, também está sujeito a um limite, que hoje é de R$ 102 milhões.
Dados do MEC da última sexta (22) mostram que a UnB já havia arrecadado R$ 96 milhões. A UnB diz que, de fato, a autorização para uso não chega nem a R$ 90 milhões devido ao contingenciamento. “Precisamos que seja liberado aumento de orçamento por excesso de arrecadação. Já arrecadamos mais do que o orçamento que a gente tem em termos de recursos próprios, precisamos que o orçamento cresça para usar esse recurso”, afirma a decana Imbroisi.
A decana também diz que esse recurso “a mais” arrecadado pela própria universidade pode não voltar para a UnB nos próximos anos.
O MEC rebate os argumentos. A pasta diz que em 2016 houve frustração de R$ 77 milhões na arrecadação da UnB.
Segundo o coordenador-geral de Planejamento e Orçamento das Instituições Federais de Ensino, Weber Gomes de Souza, ainda não há excesso de arrecadação porque o valor não ultrapassou os R$ 102 milhões previstos. Se até o fim do ano passar essa meta e não houver liberação de 100% do contingenciamento, o orçamento continua com a UnB, afirma.
“Esse recurso, ao ser consignado no orçamento como recurso próprio da UnB, não deixa jamais de ser da universidade, mas está sujeito às metas do Ministério do Planejamento. […] Há expectativa de conseguir ampliação [da autorização para uso] desses recursos próprios.”