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Cheiro de filho

Eu sempre soube que mãe tem cheiro, da minha tenho na memória o cheiro da lavanda que ela gostava de usar com generosidade depois do banho, sempre dizendo que lamentava que logo sumia, mas só ela deixava de sentir.

Também a sinto pertinho quando abro um sabonete e me recordo dela iniciando o banho lavando bem as mãos, na sequência o rosto, para só então cuidar do restante do corpo.

São cheiros que me alegram, me transportam para uma doce memória, mas não estão no meu dia a dia o tempo todo, afinal, minha mãe tinha a casa dela e depois que assumi a vida adulta passei a ter a minha, a dela era a “casa da mamãe” e eu não vivia lá.

Na verdade o que eu nunca pensei mesmo ē que filho tivesse cheiro e sempre que voltasse para casa e não o encontrasse espalhado por todos os locais eu fosse sentir um vazio tão grande.

A vida toda eu achei que cheiro de filho fosse apenas aquele dos bebês, um cheiro delicioso, suave e marcante, impossível de ser confundido, só que não… esse ē um cheiro de todos os bebês, já o de filho é diferente, filho tem cheiro próprio.

Quando eu abria a porta do nosso apartamento, logo entrava pelo nariz uma avalanche deles, ou algo sendo preparado na cozinha, ou dos pratos acumulados, ou cheiro de roupinha lavada, já que todos os dias a máquina funcionava, cheiro de presença.

No quarto os lençóis tinham cheiro de remexidos e caso as janelas não tivessem sido abertas para arejar, era uma mistura de tudo, havia rastro do cheiro de gente.

Agora eu entro e saio e nada muda, parece que nem o vento se movimenta, que a vida congelou, nada acumulado, quase sem roupas estendidas, lixeiros vazios, cozinha arrumada, lençóis quietos…

Nosso apartamento agora não tem personalidade no cheiro, ficou sem contrastes, sem nada marcante. Filho em casa perfuma tudo de esperança, filho cheira a coragem, filho cheira a desafio e sem ele por perto tudo fica inodoro.

O cheiro que filho espalha ocupa tudo e tudo fica tão vazio na ausência dele, nunca imaginei que nosso lar, que até então considerávamos pequeno, fosse tão grande a ponto de esconder o cheiro de vida.

Aquela mistura inédita que entrava pelo nariz todos os dias não existe mais, o sol bate e nada acontece, o café coado não se fixa, o refogado de alho não se espalha, o frescor do banho não existe, o único cheiro que fica é de faxina recém acabada e quando até isso some, fica tudo com cheiro de escritório, sem vida.

A verdade é que filho tem diversos cheiros, o das sopinhas de legumes, de cabelo lavado, de pijaminha limpo, de sanduíche, de roupa nova, de suor, de cerveja, de terra molhada e na ausência disso tudo, fica um cheiro pesado de saudade, de muita saudade…

Novembro de 2019