Além do preconceito, pessoas trans querem falar de seus talentos e potências intelectuais
Cantora, atriz, apresentadora e agitadora cultural, Linn da Quebrada, uma das participantes do BBB 22, é uma das inúmeras representações de que pessoas transgêneros – aquelas que não se identificam com o sexo biológico imposto no nascimento – podem ocupar diferentes espaços com seus talentos. Como ela, a baiana Laura Souza, 23 anos, e o professor Jean Gregório, 26, de Recife, idealizam um lugar seguro e acolhedor para as mulheres e homens trans.
Comemorado no Brasil em todo 29 de janeiro, o Dia da Visibilidade Trans pauta, entre outros temas, esse desejo de estar fora de perigo por apenas querer viver da forma que se identifica. “Seria muito ruim falar que estamos longe da concretização disso porque tira nossa esperança e desejo de mudança, como também é difícil falar que estamos perto por conta da realidade de hoje. Então, eu acredito que seja um caminho que ainda estamos construindo”, diz Laura.
Nascida no interior da Bahia, Laura adora videogames, é ligada em moda e maquiagem e pretende se formar no curso de Psicologia. Diferente de muitas pessoas trans que permanecem à margem no mercado de trabalho, ela tem carteira assinada e se sente acolhida na empresa em que atua como assistente de relacionamento do Educa Mais Brasil. Laura define o que faz como “realizadora de sonhos”, pois faz a ponte entre quem não tem condições de bancar um curso particular com o programa de bolsas de estudo.
“Sempre fui eu mesma, nunca houve um repúdio dos meus colegas por conta disso. Foi durante esse emprego que eu fiz a minha transição de gênero. Eu consegui fazer com que as pessoas me respeitassem. Isso me deixou muito emocionada, porque fico imaginando que muitas outras não conseguem ter isso. É um privilégio que eu gostaria que todas as pessoas da minha comunidade também tivessem”, reflete.
Para o futuro, ela quer conquistar postos maiores. “Sempre desejei estar em lugares em que pessoas como eu talvez nunca tivessem pensado. Aqui eu desejo ser uma gerente ou uma supervisora de grande escala”, reforça. Outro sonho, esse agora coletivo, é também ver outras pessoas trans trabalhando e desenvolvendo seus talentos em posições de destaque. “Nós estudamos, podemos falar outras línguas. Podemos fazer tudo! Eu acho que a sociedade passar a nos enxergar nesses diferentes lugares é muito importante”.
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Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes…
“Elas são coadjuvantes. Não, melhor, figurantes que nem devia (sic) tá aqui”. Como no trecho da canção Amarelo, interpretada por Emicida, Majur e Pabllo Vittar, o sonho de Jean Gregório, jovem de 26 anos natural de Camaragibe, pertencente à Região Metropolitana de Recife, é chegar nos espaços e, de forma naturalizada, ser respeitado enquanto o que ele é, um homem, sem que as transfobias que enfrenta sejam maiores que os seus talentos. “Não é somente por esse tipo de assunto que queremos ser vistos. Também queremos ser vistos pelo que somos e pelo tipo que trabalho que fazemos. Ou seja, pela pessoa que nós somos de fato”, defende.
Articulado quando fala de si e sua trajetória até aqui, Jean já atuou como professor, profissão que ele deseja seguir carreira. Atualmente, está desempregado por conta da pandemia de Covid-19. Precisou trancar a faculdade de Pedagogia. Para sobreviver neste período, já fez bicos como vendedor de bebidas e guia de passeios em Porto de Galinhas (PE). Lidando diariamente com diferentes pessoas, teve que enfrentar episódios carregados de preconceito, que ele acredita que não aconteçam somente por falta de informação, já que a internet está aí como possibilidade de aprendizado rápido.
“Boa parte da sociedade não está interessada no que a gente está dizendo. As pessoas querem apenas tirar as suas próprias conclusões. E não porque eles acham que nossos corpos são desconhecidos ou porque as pessoas se dizem ainda não desconstruídas. Querem impor apenas que a opinião e vontade deles”, analisa.
Sonhando em retomar os estudos, Jean reforça que a população trans pode ocupar todos os espaços, pois, além disso ser um direito, eles também possuem talentos e competências para serem bons profissionais em qualquer área. Falta, em boa parte dos casos, serem impulsionados para isso. “Meu sentimento realmente sempre foi o de voltar para sala de aula. Voltar para um espaço que também é meu. E é importante estarmos nesses lugares para mostrar justamente para a sociedade que somos pessoas normais e que é preciso normalizar a presença de pessoas trans em qualquer lugar. Eu posso ser um professor? Posso e sei que sou capaz”, conclui.