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Transmissão de julgamentos criminais do STF na TV divide comunidade jurídica

Advogados e parte dos ministros do tribunal acham que Corte fica muito exposta com a avaliação de ações penais ao vivo. No Congresso, um projeto de lei tenta acabar com as transmissões.

iG Brasília

Ministro Ricardo Lewandowski e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa

Apesar do caráter de transparência, a transmissão ao vivo, pela televisão, de julgamentos criminais do Supremo Tribunal Federal (STF) divide a comunidade jurídica. De um lado, alguns ministros da Corte máxima do país e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendem que a exposição de certos casos aproxima a Justiça do cidadão. De outro, advogados e parte do STF são contra a medida, porque acreditam que a exposição pode influenciar no resultado de ações importantes, como a Ação Penal 470, o mensalão.

Desde o início do julgamento do mensalão, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, foi acusado por opositores de aproveitar as transmissões para se autopromover. Barbosa nega. Na atual composição da Corte, Barbosa é um dos ministros favoráveis às transmissões dos julgamentos por “dar transparência” às decisões do Supremo. Durante a análise dos embargos infringentes, Barbosa chegou a mandar recados diretamente à “população brasileira”.

“Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo. Que essa maioria de circunstâncias tem todo o tempo a seu favor para continuar na sua sanha reformadora”, disse Barbosa sobre a absolvição de réus do mensalão pelo crime de quadrilha, como o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu.

Além dele, os ministros Marco Aurélio Mello, responsável por sancionar a lei que criou a TV Justiça em 2002, Gilmar Mendes e Luiz Fux são favoráveis às transmissões. O ministro Teori Zavascki, por sua vez, vê com ressalvas as transmissões. Ele tem a mesma opinião de seu antecessor, o ex-ministro Cezar Peluso.
Discreto, Zavascki diz que o juiz precisa tomar algumas decisões impopulares para “observar princípios da legislação penal”. Em caráter reservado, Zavascki admite que a transmissão de julgamentos pode influenciar no resultado final de determinados casos.

Advogados que atuaram no mensalão criticaram as transmissões televisionadas do caso e afirmaram que a publicidade do julgamento influenciou o resultado final de forma decisiva. Para eles, o resultado poderia ser completamente diferente sem a transmissão ao vivo.

O especialista em direito criminal, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, defende que o STF torne público apenas alguns casos. “Se julga com base nos autos, não com base na opinião pública”, analisa. “Acho que as transmissões devem se ater às Ações Diretas de Inconstitucionalidade”, defende.

Transparência

Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, as transmissões significam transparência. “É a maneira de o povo se aproximar da Justiça e de a Justiça se aproximar do povo. Eventuais problemas são muito menores que as vantagens trazidas”, ressalta.

Os ministros defensores da publicidade dos julgamentos veem na iniciativa um caráter “didático”, apesar de admitirem problemas “pontuais” no processo, como a discussão pública de membros da Corte. Na opinião deles, cada julgamento transmitido pelo STF é uma “aula ao vivo” para estudantes de Direito e entusiastas da área.

No final do ano passado, o deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) protocolou um projeto de lei para limitar essas transmissões. No projeto, as transmissões dos julgamentos do STF e de tribunais superiores ocorreriam apenas em TVs fechadas e, ainda assim, as sessões seriam gravadas e não reproduzidas ao vivo.

“A transparência, se considerada pela simples transmissão ao vivo das sessões, não se caracteriza, porque as decisões, muitas vezes, já são conhecidas dos membros do Tribunal. É, na verdade, uma aparente transparência. O mesmo se pode dizer quanto à suposta maior eficiência”, justifica o deputado no projeto de lei. Atualmente, o projeto está na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados e tem como relator o deputado Zezéu Ribeiro (PT-BA).

Em alguns países, as transmissões ainda são tabus. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Suprema Corte apenas divulga comunicados sobre suas decisões. Atualmente, tramita uma proposta no congresso norte-americano para tentar liberar essas transmissões.